José Teodoro Prata
Nada tenho a acrescentar ao texto do Francisco Barroso que, numa mensagem curta, esgotou o que havia a dizer sobre o P. Jerónimo. Mas como planeara escrever sobre ele, antes de saber que também tinha direito a filme, acho que não é caso para desistir. Honremos então este homem bom, aproveitando a saturação de gente boa que há no céu.
O Pe. José Hipólito Jerónimo apareceu na minha vida perto de 1970. Já lhe conhecia os pais e alguns irmãos, pois ainda somos parentes e eles tinham uma fazenda na encosta da serra onde eu cresci. Por esses anos, ele andava a estudar em Coimbra e ia frequentemente ao Tortosendo. Depois fixou-se ali e foi meu perfeito e professor de Inglês, nos 4.º e 5.º anos (talvez só no 5.º ano).
Melhor do que em mim, é na quase veneração que o Maurício e o José Eduardo, entre muitos outros, têm pelo Pe. Jerónimo que percebo a importância do seu magistério. Bastou-lhe ser ele próprio e partilhar connosco o seu gosto pela vida, para nos amparar no nosso crescimento. Além da mera gestão dos dias e da educação pelos valores, não nos dava lições de nada, não se obcecava em nos converter a coisa alguma. E assim nos ajudou a construirmos as pessoas em que nos tornámos. Pessoalmente, esses anos foram decisivos para o meu futuro: cresci como pessoa e como estudante, amadurecendo para o Secundário do Pe. Vaz.
Mas só o descobri, verdadeiramente, quando já estávamos longe, fisicamente. Na segunda metade da década de 70 e depois nos anos 80, fiquei solto pelo mundo e tive de reaprender quase tudo, numa constante acção e reflexão. E foi então que ganhei consciência da importância do Pe. Jerónimo, na minha vida. Além das recordações que dele tinha, usufruía das suas idas frequentes a São Vicente da Beira. A forma como se relacionava com as pessoas e a sua intervenção na vida da nossa comunidade tornaram-se, para mim, um exemplo de cidadania.
Na relação de cada um com os outros, há duas espécies de pessoas: as que vivem consigo próprias, no pequeno mundo que as rodeia, e as que se dão aos outros. Estas últimas ainda se dividem em duas subespécies: as que se dedicam aos outros com o objectivo de os tornar naquilo que querem que os outros sejam e as que se entregam aos outros, sem nada exigir em troca.
Por esses anos, conheci uma candidata à Assembleia da República que considerava parva uma sua apoiante, por lhe ter dito que rezava por ela, a Nossa Senhora, todos os dias. Esta candidata não foi eleita, não merecia o povo que tinha. Ela pertencia à subespécie dos que se dão aos outros, mas só na medida em que os possam transformar noutra coisa diferente do que eles são. No fundo, sentem desprezo por aqueles com quem trabalham. Há muitos destes, na política, na sociedade, na religião… A maioria não são más pessoas, mas apenas trabalham pelas ideias, não com pessoas.
O Pe. Jerónimo pertence à subespécie daqueles que se dão aos outros sem nada exigir em troca. Ele sente-se feliz na partilha da vida com os outros, mas não lhes exige mudanças. Cada um é como é. Vive bons momentos com o Pe. Jerónimo e depois aproveita o que quiser do seu exemplo de vida e da sua palavra. Faz-me lembrar o Pe. Martins de Machico, que visitei em 1980. Logo na sacristia, bebemos em cálice de aguardente de cana e mel. Depois levou-nos de carro até um café à beira mar e raspámos umas lapas cruas com cerveja. Mas, na conversa, preocupou-se com a crise por que passava uma pessoa do grupo. E defendeu que a acção da Igreja se devia centrar na família. Não perdia festa de baptismo, aniversário ou casamento. Era no meio das pessoas que ele sentia a concretização do Evangelho. Tudo bem, não fora ele também político, em quem todos votavam. Por isso o bispo já lhe retirara a paróquia, que ele continuava a pastorear, por não conhecerem os paroquianos melhor pastor.
Mas voltemos ao nosso Pe. Jerónimo. Foi ele o anfitrião dos primeiros convívios de antigos alunos, no Tortosendo. Antes de os encontros se tornarem uma tradição e sobretudo adquirirem a actual componente missionária, já o Pe. Jerónimo tinha sempre as portas escancaradas para os grupos de ex-alunos que ali se juntavam a confraternizar com os seus colegas de há muitos anos. Era pouco mais do que comer, beber e conversar, mas o Pe. Jerónimo via longe. Hoje, percebemos que o Pe. Jerónimo teve razão fora do tempo. Antes dos outros, ele percebeu a importância para a Igreja do retorno dos antigos alunos à sua casa comum.
Há dois anos, no Dia de Todos os Santos, vivi um momento que exemplifica tudo o que quero dizer. Tradicionalmente, é o Pe. Jerónimo que celebra os ofícios religiosos desse dia, em São Vicente da Beira. Depois da missa, a comunidade formou em procissão, rumo ao cemitério. Lá chegados, Pe. José Hipólito Jerónimo falou-nos dos santos que cada um de nós ali tinha. Olhei para os rostos das pessoas e neles resplandecia uma doce tristeza. Depois, à saída, nos demorados reencontros de familiares e amigos, o Pe. Jerónimo era de todos. Todos se sentiam orgulhosos em tê-lo consigo e com ele ter partilhado aquele momento. Todos sentiam orgulho na pertença comum àquela comunidade.
Se se fizesse um votação, para saber qual o vicentino mais querido entre iguais, não tenho dúvidas de que ganharia o Pe. Jerónimo. E o resultado seria o mesmo, se a votação fosse entre os que conviveram com ele no Tortosendo. O engraçado é que ser assim não lhe custa nada, é genético. Do lado dos Hipólito, tem muitos antepassados artesãos, gente de porta aberta, sempre em contacto com os outros. Do costado dos Jerónimo, há agricultores-pastores, gente ligada à terra, mas de horizontes largos, por via dos gados.
Afinal, para se ser um grande homem e um homem bom, não é necessário procurar muito, nem convém, basta gostar dos outros e sermos nós próprios.
Não vou comentar as palavras do Teodóro, elas falam por si!
ResponderEliminarVou aproveitar a sua audiência para expressar a minha enorme satisfação de pertencer a um espaço vivo e palpitante.
Cada paragrafo que percorro está carregado das cores dos sentimentos e das emoções dos pintores de palavras que nos revelam os mundos de um universo comum.
A cada palavra, aumenta a identidade e a autonomia deste espaço num lastro de liberdade e de responsabilidade. Manter vivos os traços que nos identificam e com que nos identificamos tornou-se natural. Reconhecer e destacar o lugar que os outros têm nos "nossos mundos" é outro papel que se destaca, de forma generosa, neste sitio e que engrandece e enobrece a todos. É muito bom!
Vitor Baptista