segunda-feira, 25 de abril de 2011

Os amigos da açorda


José Teodoro Prata

Foi no Outono de 1972 ou Inverno de 73 do nosso quinto ano. Ainda hoje não compreendo como aquilo aconteceu, mas deram-nos açorda cinco refeições seguidas. À quarta refeição, já muitas mesas não levantaram as travessas no guiché da cozinha e ficaram-se pela sopa. O Pe. Felgueiras obrigava a levar a travessa aos que apanhava em falta, mas ela voltava tal como viera, rasa de açorda.
Nesse tempo, o quinto ano comia mesmo à esquerda da porta da grande sala, onde, atualmente, se realizam os almoços, nos encontros dos antigos alunos. E, naquele entardecer da quinta refeição de açorda, os mais velhos e esclarecidos mobilizaram as mesas do quinto ano a não tocar nas travessas. O Casalta de Aldeia da Ponte, rapaz magro e irrequieto, o mais velho dos Casalta com quem convivi no Tortosendo, era o grande impulsionador da revolta. Não parava sentado, entre mesas e a porta para o corredor, a controlar a chegada do padre vigilante.
Alguém se lembrou dos Vampiros do Zeca Afonso e a ideia foi crescendo. No verão, o José Eduardo encontrara, na praia, o José Afonso e os filhos, já da nossa idade. Falara-nos dele. Nesse tempo, os baladeiros estavam na moda, dentro e fora do Seminário, e por isso muitos de nós conheciam “Os Vampiros”. E, com o Casalta como maestro, a canção soou pelo salão, em protesto contra a maior invasão de açorda que já se vira desde que o mundo era mundo.
O Pe. Felgueiras ouviu, na outra sala, e veio apressado. Silêncio total. Perguntou o que se passava e nada. Repetiu a pergunta e moita. Passaram-se longos minutos, talvez apenas segundos que pareceram uma eternidade. Não saíamos dali. Até que, da outra ponta da sala, um miúdo franzino decidiu desempatar aquilo e esclareceu, numa pronúncia típica do vale profundo do Zêzere: «Estavam a cantar “Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada.”»
O Pe. Felgueiras deu-se por satisfeito e deixou-nos sair. Passei por ele no corredor e disse-me, à parte: «Esperava que fosses tu a falar. Às vezes, é preciso sair da multidão, para nos afirmarmos como homens.»


Com estas histórias, nos fizemos os homens que hoje somos. E esta tem algumas personagens de quem gosto muito.
Primeiro, um abraço ao miúdo franzino, a falar achim, como eu, que já não é franzino nem fala achim, porque os anos e a missão no Brasil o tornaram mais encorpado e de falar cantante. Um grande abraço ao Pe. José Cortes.
Depois, o velho Casalta. Velho, por ser o mais velho dos Casalta de Aldeia da Ponte. Não éramos especialmente amigos, mas com ele aprendi muitas coisas, pois tinha mais um ano que eu e já sabia o que eu só aprenderia mais tarde. Nunca mais o voltei a encontrar. Vai sendo tempo de aparecer pelo Tortosendo, no último sábado de Outubro! Um abraço, até esse dia.
E também um grande abraço para o ex-padre Felgueiras, o jovem padre que trouxe uma tal lufada de ar fresco ao Tortosendo, naqueles últimos anos de bolor político-social, que lhe ia arrasando as paredes. Se às vezes Deus escreve direito por linhas tortas, o Pe. Felgueiras de então ajudou-nos a abrir os olhos para um mundo de que desconhecíamos quase tudo.
E também um sentido abraço para o Frazão, nesta hora tão difícil que está a viver. A propósito das canções de José Afonso, lembro-me dele como representante da AAVD, num encontro dos antigos alunos de Castelo Branco, no recinto da Senhora de Mércoles, o primeiro em que participei. Contou-nos, então, que os recrutas de Mafra, acabados de sair da Universidade, cantavam as canções do Zeca, nos camiões, a caminho dos exercícios militares noturnos. E levaram-nas na voz e no pensamento, para a guerra do Ultramar, de onde voltaram para fazer o 25 de Abril.

domingo, 17 de abril de 2011

O que se diz a alguém que perdeu um filho?


Algumas palavras e gestos de circunstância... e pouco mais! Quer queiramos quer não perante a morte faltam-nos palavras ou sobram-nos palavras. É difícil encontrar as que queremos, carregadas de sentido e que de algum modo traduzam o que desejamos manifestar a quem perdeu... a fé treme nestes momentos por maior que seja a segurança que queiramos aparentar.
Há os que falam pouco e se recolhem perante a tristeza dos familiares, mas há outros muito eloquentes que falam... falam... querem saber tudo e tudo perguntam: Como foi. Se estava doente. Há quanto tempo. Se era grave. Se era idoso. Se foi logo socorrido... enfim, uma curiosidade de estarrecer...
Daí a minha dificuldade, hoje, em encontrar umas poucas que me ajudem a dizer aos pais e irmão do André algo que vá além das circunstâncias e que tenha algum significado para eles. É que eu nem conhecia o André... só nos conhecemos na despedida, em Alcaria, diante da Senhora dos Prazeres, que ali estava com o seu outro menino.
Sei que não vou conseguir, mas vou tentá-lo e usar o “nosso” SdB para o dizer, já que não tenho “à mão” outra forma de lho fazer chegar. Talvez lá chegue...

O André despediu-se de vós e de nós, os que lá estávamos, numa soalheira tarde de sábado de ramos, olhando a serra que tantas vezes mirou e amou e que todos os dias olha Alcaria com a ternura de uma mãe.
Alcaria: pequena, sóbria, solidária  e solitária viu partir mais um dos seus filhos e por isso ficou ainda mais pequena e mais triste. Disfarçadamente, deixou rolar na face uma lágrima furtiva de dor e saudade. É certo que já viu partir muitos e, como em muitas e muitas aldeias deste Portugal, hoje já vê mais partidas do que chegadas, daí a dor pelo André ser ainda maior. Pois, era alguém mais em idade de chegada do que de partida.
O André era jovem e tinha um enorme carinho por ela, pois além de terra dos seus avós... era também sua, porque aquilo que é dos nossos, nosso é! O André partiu... e vós e nós chorámos como as irmãs e os amigos de Lázaro.
... Sim, que mais há a fazer/dizer em momentos como este? Palavras... palavras (é também o que eu estou a usar) parece que não temos mais nada que nos ajude a aliviar a dor que nos oprime o corpo e nos estrangula a alma... a fé ajuda, a esperança conforta, o abraço alivia? Sim. Mas só o tempo é lenitivo para integrar a perda na vida e ajudar a transformá-la em memória viva e duradoura.
Serena, nobre e nua a serra continuará a olhar, simplesmente... sem palavras, e na sua mudez aparente dirá muito a quem a queira ouvir... como o André a ouviu em vida e, por certo, no sábado, quando se despediu de vós e de nós.

Paz!
ir. josé de jesus amaro, svd

PS. Perdoem-me mas, neste momento, não resisto a lembrar o livro de José Luís Peixoto morreste-me, Temas&Debates. Se lerem, compreenderão... j-a.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Faleceu o André, filho do nosso colega e ex dirigente AAVD Abílio Frazão


A Direcção da AAVD acaba de receber, através do Messias Gomes, a triste notícia da morte do André, filho do Frazão, no Hospital onde se encontrava internado.

Não resistiu ao agravamento da saúde, após o transplante pulmonar que havia feito vai para dois anos.

Faleceu às 17.05 horas de hoje, após receber a Extrema-Unção.

A informação que temos é a de que o corpo do André será levantado do Hospital amanhã, ao fim da manhã, seguindo de imediato para ALCARIA (Porto de Mós) onde, desde a tarde de sexta-feira até às 16 horas de sábado, estará em velório.

Às 16 horas haverá missa de corpo presente, seguindo-se o funeral para o Cemitério de ALCARIA, situado junto à estrada que liga Porto de Mós a Alvados / Mira d'Aire.

A Direcção da AAVD apresenta sentidas condolências ao Abílio Frazão e demais familiares pela perda do seu ente querido, numa idade ainda tão jovem e marcada pelo sofrimento.
Manifesta também a sua solidariedade neste momento de desenlace que, sendo naturalmente de profunda dor e tristeza, não pode também deixar de ser de esperança, na convicção de que a vida não acaba, apenas se transforma, buscando o sentido que, na visão evangélica e cristã, apela à Ressurreição.
Ao André desejamos que, terminado o sofrimento, descanse em paz.

Em nome da Direcção da AAVD
Armindo Cachada