domingo, 8 de maio de 2011

27 de Setembro de 1811 - O COMBATE DE ALDEIA DA PONTE


EM MEMÓRIA DE  ...

Loures, 3-5-2011
Manuel Peres Sanches
manuel_sanches@hotmail.com 

SOLDADOS SEM NOME... que, em marchas de andamento forçado, percorriam longos caminhos distantes, em horas sem fim, dias após dias, sob um sol escaldante de Agosto, penosamente se arrastando... fatigados adormeciam esfomeados... ardendo em sonhos de febre e disenteria...  acantonados em bivaques, tendo como tecto céu estrelado de Janeiro e como manta um chão branco de geada ou de fria neve... com músculos tolhidos... e sem compaixão espadeirados, na berma da estrada  morriam abandonados...

MULHERES SEM NOME... que pisavam o mesmo chão que os seus Homens,  Soldados... e os seguiam até no cativeiro... metades travestidas de camponesas e de tropas... serventes como «cantinières», aguadeiras, cozinheiras, lavadeiras, costureiras, maqueiras... e até municiadoras e apontadoras de mosquetes... davam à luz seus filhos na ensanguentada neve... suportando quantas humilhações e violações!!! Entre rebentadas carroças abandonadas, com cavalos, mulas e jumentos mortos, eram  com os seus Homens e com os seus Filhos moribundas...

MENINOS-SOLDADOS SEM NOME... que domésticos serviam... os mais afortunados a seus amos-oficiais, para ajuda e sustento de irmãos e pais. Mas quantos orfãos?! Alistavam-se na esperança de um dia serem soldados, para terem «pré». Mas já tinham sofrimentos e ferimentos!!! Com que emoções, com que sentimentos aquelas crianças-rapazolas seguiam entre a massa de gente fardada e armada, entre a confusão maltrapilha, pisando descalços terreno macabro, tropeçando em jazentes cadáveres ainda quentes, atordoados por dilacerantes gritos de enlouquecer? Empurrados a ir em frente para sobreviver... com tamanha sobrecarga, por caminhos atolados sem fim, ora sol ora chuva... e com pouca roupa, e sem uma côdea de negro pão duro... E quantos feitos prisioneiros,  ou, violentamente, findos mortos, inocentemente?!

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Em 27 de Setembro de 2011, perfazem 200 anos do «Combate de Aldeia da Ponte» que ocorreu no contexto da chamada «Guerra Peninsular» (1807-1814), ou Invasões Francesas (para os espanhóis, «Guerra da Independência»).

O Combate de Aldeia de Ponte consta na cronologia das batalhas napoleónicas. Consta nos «despachos» de Wellington, comandante dos Exércitos Aliados, sobre os acontecimentos, com data de 29 de Setembro de 1811, feitos no seu Quartel-General, instalado em Quadrazais. Consta nas «Mémoires du Duc de Raguse de 1792 a 1832...», cognome do Marechal Auguste Marmont, comandante do Exército Francês, ao qual Napoleão dera o nome de «L´Armée du Portugal». Consta nas «Mémoires du Général Baron Thiébault» que comandou a perseguição e os ataques franceses em Aldeia da Ponte. Consta na narrativa de marchas, movimentos e operações da quarta Divisão do Exército Aliado, feita por Charles Broke Vere. Consta na História da «Guerra Peninsular» de Charles Napier que combateu nas Batalhas do Côa / Almeida (24 de Julho de 1810) e de Fuentes de Oñoro (3-5 de Maio de 1811). Também consta na História de Charles Oman. Consta na Auto-biografia de Harry Smith que pisou o nosso chão e nos conta pequenas estórias do quotidiano de soldados (uma delas passa-se em Rendo-Sabugal) e escreve «Poza Velha» em vez de «Poço Velho» (aldeia  perto de Nave de Haver). O Combate de Aldeia da Ponte consta em muitos outros documentos. E deve haver estar em tantos relatos e memórias de soldados de diferentes nacionalidades que gostariam de ser lidos...!!!

Investiguemos, rebusquemos livros, revistas, jornais, cartografia militar, internet, museus... muita coisa vai aparecer. Em quantas mais fontes históricas bebermos, melhor poderemos compreender o que de facto se passou, naqueles dias, meses e anos, de 1807 a 1814. É de publicar na página-net de Aldeia da Ponte, no Boletim da nossa Associação, ou por outras vias. Faço este CONVITE.

«O Combate de Aldeia da Ponte» não é um acontecimento dito «menor», considerando o número elevado de combatentes e o grande prestígio de generais e comandantes que nele participaram, sendo o mais distinto Arthur Wellesley, mais conhecido por Duque de Wellington, como Comandante-em-Chefe dos Exércitos Aliados, que viria a derrotar Napoleão, na Batalha de Waterloo, em 18 de Junho de 1815. Wellington esteve envolvido, directamente, no Combate de Aldeia da Ponte, dando ordens a partir da «Sacaparte», (Convento da Sacaparte, entre Aldeia da Ponte e Alfaiates).

Mas houve outros generais britânicos que tiveram carreiras militares e políticas honrosas, como Edward Michael Pakenham (morreu na Batalha de Nova Orleães; era cunhado de Wellington), Stapleton Cotton, Galbraith Lowry Cole ou Edward Blakeney  (viria a receber a condecoração «Torre e Espada» de Portugal).

Quanto aos franceses, alguns deles têm gravado o seu nome no Arco do Triunfo de Paris. Bem conhecido é Auguste Marmont que substituiu o Marechal André Massena no comando de «L'Armée du Portugal», após a derrota da Batalha de Fuentes de Oñoro. Auguste Marmont mandou retirar as tropas, que tinham combatido em Aldeia da Ponte, para Ciudad Rodrigo, em 28 de Setembro de 1811, depois de observar, no alto de Santa Bárbara, as posições dos Luso-Britânicos. Outros Generais: Paul Charles Thiébault comandou o Combate de Aldeia da Ponte e já tinha sido Chefe de Estado Maior do General Andoche Junot, na primeira Invasão, em 1807.- Joseph Souham também comandou em A. da Ponte as forças francesas e comandou «L'Armée du Portugal» na Batalha de Salamanca (22 de Julho de 1812) quando foram feridos os Generais Marmont e Bertrand Causel. Louis Pierre Montbrun que foi considerado um dos grandes cavaleiros da época napoleónica. E, ainda, Pierre Wathier.

Participou em acções, no combate de 27 de Setembro, o Regimento de Artilharia nº 2 de Faro, sob o comando do Major Vitor von Arentschild - comandaram as três Brigadas os Capitães Francisco Cipriano Pinto, João Inácio Sequeira e Chateauneuf. Os dois primeiros receberam «Medalhas de Distinção de Comando», Artilheiros ilustres, sendo um alemão e outro português.

Mas «O Combate de Aldeia da Ponte» foi um acontecimento maior, por tudo quanto padeceram homens, mulheres e crianças. Pelas baixas que houve (mortos, feridos e desaparecidos), perdas humanas que são sempre muitas, por duas que sejam. Assim,  segundo o relatório Wellington, as baixas humanas, portuguesas e britânicas, totalizaram: 14 mortos,  77 feridos,  9 desaparecidos. Quanto a cavalos, houve 3 mortos, 14 feridos, 6 desaparecidos. Do lado Francês, Thiébault diz que o «Combate custou-nos cento e cinquenta homens, dos quais cento e vinte feridos, mas que, no dizer de alguns prisioneiros, custou quinhentos homens e um oficial-general ao inimigo».

Há nomes registados em relatórios. Por exemplo, o Major Thomas Pearson foi gravemente ferido numa perna, em Aldeia da Ponte, tendo sido evacuado (em 2006, saiu o livro que retrata a sua carreira, com o título «Fix Bayonets! A Royal Welch Fusilier At War, 1796-1815», por Donald E. Graves). E quantos «soldados desconhecidos»? Todos merecem a nossa memória e atitudes de respeito. E os não militares, os civis? Nos exércitos, marchavam, ao lado dos soldados, mulheres e crianças-rapazolas que eram «pau p'ra toda obra». Cozinhavam, lavavam e coziam a roupa, procuravam lenha e água, carregavam os feridos, cuidavam dos cavalos e animais de carga, empurravam as carroças e tantas outras tarefas... E, quanto não bastasse, sofriam maus-tratos e violações de certos soldados embrutecidos e embriagados, ou punições violentas de sargentos e oficiais arrogantes e desumanos!!!

É difícl de imaginar o que a Guerra Peninsular trouxe também às gentes de Aldeia da Ponte, e aldeias vizinhas, principalmente nos anos de 1810-1811-1812, durante a terceira e quarta invasões francesas e respectivas retiradas (da quarta invasão pouco se fala; quarta invasão ou quinta invasão? é um assunto polémico: há quem considere que a «Guerras das Laranjas», em 1801, foi a primeira invasão, altura em que se criou o «problema de Olivença»). Aldeia da Ponte assistiu à passagem, à movimentação, ao vaivém constante de tropas, fossem elas francesas, fossem elas luso-britânicas.

Assim, na terceira invasão (1810), o Marechal André Massena, Comandante-em -Chefe do Exército Francês - «L'Armée du Portugal» - formado pelo 2º, 6º e 8º Corpos  de Exércitos - ordenou ao General Jean Reynier, comandante do 2º Corpo do Exército (mais de 15 000 combatentes e 2 700 cavalos), que de Cória e Plasência, na Espanha, se aproximasse de Alfaiates, a 25 de Agosto de 1810,  para marchar na direcção do Sabugal ( que veio a ocupar em 15 de Setembro), da Guarda e de Celorico,... com intuito de se juntar aos outros dois Corpos que tinham entrado em Portugal mais a norte, perto de Almeida.   

Após a Batalha do Sabugal ou do «Gravato» (3 de Abril de 1811), foi pela nossa «raia seca» (do Sabugal) que as tropas francesas retiraram, derrotadas na terceira invasão. Os exércitos luso-britânicos ficaram, então, acantonados nas aldeias, de um e outro lado do Rio Côa. Em Abril de 1811, o Estado Maior do Regimento escocês «The Gordon Highlanders» ficou instalado em Aldeia da Ponte. «The 79 th - The Cameron Highlanders» esteve acantonado em Aldeia da Ponte, de 14 de Maio a 6 de Junho de 1811. Poucos dias antes, o seu comandante, Coronel Philips Cameron, tinha morrido na Batalha de Fuentes de Oñoro. Há até uma pintura célebre alusiva. No seu «Diário», na Guerra da Peninsula, o Tenente de artilharia William Bates Ingilby regista que a sua brigada (hoje, bateria) bivacou em Aldeia da Ponte, a 12 de Fevereiro de 1812.

A quarta Invasão (1812) é comandada pelo Marechal Auguste Marmont (Duque de Raguse). É uma invasão-relâmpago, pelas Beiras. Tem por objectivo, obrigar Wellington  a levantar o cerco de Badajoz, iniciado em 16 de Março último, pelo  Exército Aliado. São manobras de distração. A fim de distrair Wellington de Badajoz. Marmont dispõe de quatro das suas seis divisões, comandadas pelos Generais Clausel, Maucune, Sarrut e Brennier (todos eles têm gravado o nome no Arco do Triunfo) – 23 500 infantes e 1 500 cavaleiros. A operação  começa com cerco a Ciudad Rodrigo, por Brennier, em 30 de Março. Invasão de Portugal pela fronteira de Sabugal (Aldeia da Ponte, em 3 de Abril). A divisão francesa de Clausel tenta tomar Almeida, sem sucesso (6 de Abril). Marmont está no Sabugal, de 8 a 16 de Abril de 1812, donde despacha colunas volantes, nas direcções de Penamacor, Fundão, Alpedrinha e Covilhã. A divisão Sarrut investe contra Castelo Branco. A cidade é ocupada durante dois dias (12 a 14 de Abril). O Palácio do Arcebispo, que incitara à resistência, é assaltado e incendiado, tal como outras casas. Medelim e Pedrogão são saqueadas (13 de Abril). Combate da Guarda (14 de Abril) entre forças da cavalaria francesa e Milícias Portuguesas que são desbaratadas (comandadas pelos Brigadeiros Britânicos Trant e Wilson). Os Franceses avançam para a Lageosa (do Mondego), em 15 de Abril, na perseguição destes oficiais britânicos que para aqui haviam retirado. Os Portugueses incendeiam os armazéns de Celorico e retiram para Trancoso. Entretanto, os Franceses haviam voltado para a Guarda. Os Portugueses voltam a Celorico para apagar os fogos. Marmont, ao tomar conhecimento que Badajoz tinha sido conquistada pelas forças anglo-portuguesas (em 7 de Abril), após um sangrento assalto que vitimou milhares de homens, inclusive aos Aliados (cerca de 5 000), decide concentrar as suas tropas no Sabugal e fazer a retirada de Portugal (24 de Abril de 1812). Uma invasão que durou aproximadamente 20 dias.

Em Aldeia da Ponte, como por todo o país, onde foi praticada a «política  de terra queimada», imposta a Portugal por Wellington e que ele já utilizara na Índia, para retirar ao inimigo fontes de abastecimento (os Franceses também  utilizaram esta política), passavam soldados debilitados e famintos, forçados a longas e penosas marchas, nos verões escaldantes ou nos rigorosos e gélidos invernos... Sabemos como era difícil de suportar o clima da nossa terra. Tal como rezava o ditado: «nove meses de inverno e três de inferno». Soldados que, sem abrigos, mal-vestidos e botas rôtas, faziam da pilhagem forma de sobrevivência... para terem lenha, para terem comida. Numa zona do país que os estrangeiros diziam já ser fraca de recursos.

Aldeia da Ponte viveu, certamente, com muita ansiedade, angústia e medo. Por causa da penúria, da fome, dos ferimentos, das mortes, das ameaças. Por causa das incertezas e consequências dos combates que aconteciam nas redondezas, do lado de lá e de cá da fronteira: em Ciudad Rodrigo, em Almeida, no Sabugal, em Fuentes de Oñoro, em Carpio de Azaba, em Fuente Guinaldo, em El Bodon.

Aos nossos Avós só faltava mais esta: os combates serem travados no coração de Aldeia da Ponte. Os canhões de artilharia atordoaram os céus do nosso «Vale», do nosso «Vale da Ponte» e do nosso «Cruzeiro» (será que foi erigido depois do combate, em memória dos caídos?). «Royal Regiment of Artillery» marcou presença, tal como o Regimento de Artilharia 2 de Faro. Estiveram em acção os Regimentos Portugueses 11 e 23, de Almeida e Penamacor, bem como o Batalhão de Caçadores 7 da Guarda. Tal como o Regimento de Cavalaria 1 de Lisboa esteve na Sacaparte. Tal como outras divisões, batalhões, companhias, cavaleiros e infantes, soldados de diferentes nacionalidades: Portugueses, Franceses, Escoceses, Irlandeses, Alemães, Suiços, Ingleses, Espanhóis e outros, que integravam os exércitos luso-britânicos, os exércitos Espanhóis  e os exércitos Franceses. Quantos Combatentes? Só do lado Francês seriam aproximadamente 11 000 soldados de infantaria e 1 800 cavaleiros. É de dizer que as seguintes povoações raianas estavam ocupadas por milhares de tropas aliadas, na altura do Combate de Aldeia da Ponte: Aldeia Velha, Soito, Rendo, Bismula, Rebolosa, Alfaites. Wellington havia retirado de Fuenteguinaldo, onde estava «à rasca», para estas nossas aldeias, onde julgava assumir uma posição forte, face aos Franceses, tendo a defender-lhe as costas a Serra das Mesas / Malcata, o Rio Côa e a Ribeira de Vilar Maior (ou Rio Cesarão).

Deve ter sido um tempo muito aflitivo para os «nossos avós», esse dia 27 de Setembro do ano de 1811. Esse dia e outros dias.

Os acontecimentos, de então, merecem tornar-se «abraços» de memória e de paz, também actos de cultura e de diálogo!!! Celebremos o Bicentenário do Combate de Aldeia da Ponte, com estas intenções.

Manuel Peres Sanches

2 comentários:

  1. Ora aqui esta, querido Manuel, um trabalho que nos enriquece a todos. Quem te conhece compreende a profundidade e a riqueza pedagogica que nos ofereces e a homenagem verdadeira às gentes simples e corajosas das nossas aldeias e vilas.

    Quando estudamos a historia, nos nossos tempos de estudantes, não tivemos o incentivo ou a vontade de ir procurar saber ao pormenor estes acontecimentos maiores da nossa historia.

    Afinal, o que os nossos antigos nos contavam como sendo historias orais ou a transmissão de factos que iam passando de geração oralmente, tinham fundamento porque os traços de pilhagens e outros ficaram marcados para sempre.

    Por nos teres oferecido mais saber, obrigado.

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  2. Relato vivo e fundamentado, que não deixa esquecer a História das invasões franceses em Aldeia da Ponte, que marcou de forma indelével a nossa vida coletiva. Obrigado!

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