João José Cochofel - 1988 |
Não
sei se já se aperceberam, mas a quantofrenia está a enlouquecer-nos. Convirá
talvez dizer, para aqueles que deixaram de estudar à saída da escola, seja primária,
secundária ou superior, que “quantofrenia é uma visão unicamente quantitativa,
na qual toda a concepção das qualidades desaparece”. O que importa são os
números, não a realidade que representam.
É
uma moda importada, porque modas nossas temos poucas. O Fado, património
imaterial da humanidade e a Saudade, um consolo genuinamente português, visto
que os outros povos são incapazes de a sentir.
A
quantofrenia cheira à América. Deve ter sido inventada e desenvolvida pelos seus
gurus da gestão empresarial, um qualquer Peter Drucker ou um Alfred Chandler,
mas quem usa e abusa dela é a China. Basta lembrar a diversidade da
quinquilharia que vendem ao Ocidente e a sua qualidade intrínseca.
Em
Portugal entrou pela manifesta necessidade dos políticos que, a propósito de tudo
e de nada, têm de apresentar sempre uma percentagem. É o desemprego a subir, é
o défice a derrapar, são as exportações a crescer… Daí a ter passado a toda a
sociedade e penetrado todos os sectores da Administração foi um ápice.
Estendeu-se de igual modo tanto ao sector produtivo (empresarial) como
improdutivo (educação, segurança social, defesa, entre outros), tendo levado à
imprescindível necessidade de avaliar toda a gente, desde o motorista ao
director. Com objectivos, indicadores de medida, critérios de superação e
quotas. Nem os professores escaparam. O clero, esse, mantém-se imune a este
desvario, mas tão só pela falta de concorrência (cada vez menos para tão vasta
messe) e incapacidade de aferir a percentagem de salvação das almas.
O
pessoal anda desanimado, triste e salamurdo. E o pior é que o desânimo está a alastrar
a nichos de mercado em que era impensável vir a verificar-se. Não é que por
puro acaso vim a saber que o Sá Leão, jovem empreendedor, empresário de sucesso
e realizador dos melhores filmes porno nacionais, (que não devem ser visionados
no período Quaresmal) também introduziu o sistema de avaliação de desempenho
por objectivos às actrizes? Sabem qual o critério de superação, que quando atingido,
equivale a manterem o posto de trabalho? Permitirem, em certos enredos mais
complexos e inebriantes, três instrumentos em simultâneo dentro do corpinho…Ora,
é óbvio que tal situação prejudica o diálogo. As moças ficam com os nervos em
franja e mesmo quando gemem, de prazer? parece que a todo o momento podem desatar
numa enorme choradeira.
Como
vêem até aquilo que o ignaro povo chama de vida fácil, se está a tornar asfixiante
por causa da concorrência brasileira e de leste. É este o nosso mundo, desde
que se tornou uma aldeia global.
A
qualidade é na verdade outra coisa. É claro que é importante quantificar. Sem,
todavia, descurar a qualidade e saber para que fim quantifica. Acham que se se
quantificasse com qualidade o grande Lehman
Brothers teria falido pouco depois de ser avaliado com um banco seguro e se
verificaria a ruína da Goldman Sachs
e do Morgan Stanley, que esteve na
base da enorme crise financeira que está a varrer todo o Ocidente? Se tivessem
avaliado com qualidade as necessidades dos portugueses o investimento iria
sobretudo para estádios de futebol e auto estradas, umas ao lado das outras?
E
depois há coisas que não se podem avaliar. A incapacidade resulta da sua
própria natureza. Como é que se avalia a intensidade do prazer do primeiro
amor? Como é que se avalia o calor do coração, ao beijar um filhote quando
antes de deitar, nos vamos assegurar se tudo está sossegado e ele dorme como um
anjinho?
O homem e o antropos-economico |
Como
dizia António Sérgio: o que faz de um
qualquer número de pérolas um colar é o fio invisível e interior que as une,
que as liga a todas numa certa ordem, segundo uma determinada configuração…
Como
vos digo eu, aqui e agora: temos de recentrar-nos. Dar menos importância à
exterioridade e reaprender a ver o outro como igual e não como rival. A não
deixar que o fio invisível se rompa. Dizendo de outra forma: a partilhar a selada como já faz o amigo Casimiro
Barata.
Grande Chico filósofo! J. Augusto
ResponderEliminarVou só transcrever alguns dos comentários que o ensaio do Francisco já suscitou:
ResponderEliminar1. Isasilva Silva Pois não conhecia a palavra Quantofrenia.... Mas gostei do texto e tbm me pareceu uma grande (Selada) como diz as tantas o autor do texto, penso eu! Gostei do resumo e da citação....Como dizia António Sérgio: o que faz de um qualquer número de pérolas um colar é o fio invisível e interior que as une, que as liga a todas numa certa ordem, segundo uma determinada configuração… Obg pela partilha! Um ótimo fim de semana para Si ...Abrç
2. José Loureiro Vitor Baptista, li e "embasbaquei"! Conceitos dignos de bons tratados de filosofia e economia. Marx ou Engels, não teriam feito melhor. Pudera... outros tempos! :)
3. Rodolfo Amado da Silva Adorei. E concordo que nem tudo é quantificável! Sobretudo o amor...
Orgulhosos do nosso Xico?... Não é p'ra menos, dito por quem nos visita!
Eu também embasbaquei.
ResponderEliminarComo é que aí por Lisboa, a correr de um lado para o outro (é assim que nós, os provincianos, imaginamos a vida na capital), o Chico encontrou calma para tamanha lucidez?
Um abraço.
José Teodoro
Não querendo ser quantofrénico como o professor Marcelo, não resisto à tentação de antitesar (vem da palavra Antítese, o uso da palavra não está relacionado com a referência ao Mestre Sá Leão), 20 valores para o Francisco Barroso!
ResponderEliminarHeim... Xico!
ResponderEliminarPassas a escrever um crónica semanal!
Concordo, uma crónica semanal para nos fazer felizes... Belissima dissertação tio.
ResponderEliminarbjs
E que o fio interior seja de aço inoxidável para nunca enferrujar nem partir. Abraço
ResponderEliminarExcelente artigo do nosso Amigo Barroso. Com efeito, creio que é mais que tempo de revalorizar a vida, valorizar as pessoas pelo que são no seu íntimo e não pelo que têm. Esta mania de tudo querer mensurar é kafkiana!
ResponderEliminarSe quisermos viver com dignidade, precisamos de cultivar o sentido do Belo, da Beleza que só pode provir do Bem, a pureza do espírito, e permanecermos fiéis aos nossos princípios e aos valores perenes que foram transmitidos de geração em geração mas, hélas! a actual geração não os assimilou, e mesmo dentro da nossa já muitos perderam quaisquer referências e a noção do Bem e do Mal.
Resta-nos permanecer, para quem é crente, fiéis à Palavra, caminho seguro de procedermos correctamente uns com os outros.
Lamentável é, porém, o facto de quem nos tem governado nos últimos anos não possuir quaisquer princípios de Moral que norteiem a respectiva actuação. Daí o descalabro a que chegámos em todas as vertentes da nossa sociedade.
Cabral-Mendes