segunda-feira, 9 de abril de 2012

Boas Festas


Por: José Teodoro

Andava-se de casa em casa, o Vigário, o sacristão e o rapaz da campainha, com o Senhor, mais os amigos, os vizinhos e a criançada da zona. Havia uma mesa repleta de amêndoas, doces e tremoços. Ao centro, as flores da Primavera. E vinho, raramente aceite, para matar a sede ao senhor Vigário, e umas moedas ou uma nota, como paga do serviço.

Antes, horas e horas a alindar a casa. Uma vez por ano, cada família abria-se à comunidade e ninguém queria fazer má figura. 


As Boas Festas eram domingo, na Vila, segunda-feira, no Caldeira e na Tapada, domingo de Santa Bárbara, no Casal da Fraga, e domingo da Senhora da Orada, nas Quintas. Elas eram a festa da partilha, o único momento em que o Senhor visitava as pessoas, na sua casa, “obrigadas” que estavam a deslocar-se todo o ano a casa d´Ele.


 Boas Festas no Salvador, concelho de Penamacor, em meados do século passado
O desaparecimento das Boas Festas foi um sinal dos tempos, nos anos 70: a pouca higiene no beijar da cruz; frequentes rivalidades entre párocos e comunidades, nessa época; concentração de milhares de pessoas em cidades, onde por vezes os vizinhos nem se conhece; a maioria das pessoas terem deixado de ser católicos praticantes e proliferarem minorias de outras igrejas ou de nenhuma.


Mas, elas não terem sido retomadas pela Igreja, mesmo que reformuladas, é para mim um dos grandes mistérios da nossa Igreja Católica. Fala-se, por tudo e por nada, com muita razão, em policiamento de proximidade. Há programas que levam as autoridades policiais, assistenciais e de saúde a casa dos idosos mais isolados. Mas os pastores da Igreja prescindem, voluntariamente, de um dos momentos mais nobres de proximidade com o seu rebanho. 

Notas breves:
Há meses, os padres redentoristas de Castelo Branco anunciaram, pela comunicação social, que ofereciam, diariamente, um certo número de refeições aos mais necessitados. Semanas depois, vieram protestar, nos jornais, pois nem uma pessoa aparecera para pedir ajuda. Extraordinário! Isto fez-me lembrar uma igreja da zona da Amadora, junto a uma zona residencial de emigrantes africanos, onde já fui por duas vezes e nunca vi uma única pessoa de raça negra.

Há dias, fiz uma curta visita à ti Maria dos Anjos e ela disse-me que o senhor Vigário lá estivera momentos antes. Mas uma andorinha não faz a Primavera, nem esta é uma crónica sobre a Igreja de S. Vicente da Beira. No entanto, são estas novas formas de pastoral que fazem falta à Igreja Católica!


Se acharem que não tenho nada com isso, dou-vos toda a razão. Mas estava para aqui sentado ao computador, sem nada para fazer, e lembrei-me que hoje era o dia de dar as Boas Festas, na casa da minha infância. Nostalgias!

3 comentários:

  1. És bem lembrado Zé, recordo-me deste dia, na Barroca Grande, onde era ajudante do Pe Leal, normalmente era o rapaz da pasta, que recolhia os envelopes.... e também em S. Jorge da Beira, onde era dia de "beijar"... aí sim era o compasso tradicional, com o cortejo atrás da Cruz. Entrava-se a correr para arranjar um lugar, para logo ajoelhar, eram tantos e tantas, que a Cruz passava no ar e ouvia-se um chilrear de beijos em direcção ao Senhor da Cruz... logo de seguida, sacudiam-se as calças nos joelhos, já com os olhos postos na mesa farta e... enquanto o cortejo pascal saía ordeiramente, era o assalto mesa, onde havia fartura de tudo...ficavam só os copos a escorrer, umas migalhas aqui e ali, a toalha toda torta e engelhada e a correria, de boca cheia para agarrar o cortejo. Voltava tudo à primeira forma... e era assim até ao anoitecer...

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  2. Que saborosas recordações! Senti o sabor dos tremoços.
    O Pe. Leal ia pregar à minha terra. Era um orador notável, até fazia chorar as pedras das calçadas. Dizem que era informador da PIDE, isso os mineiros é que saberão...
    Depois da saída do Seminário, eu e o Chico Barroso tivemos de fazer pela vida. O primeiro Natal fora apanhou-nos de escada na mão, a colher azeitona. Um dia, entusiasmámo-nos tanto a imitar o Pe. Leal que a dona do olival gritou lá de baixo para deixarmos de pregar e colhermos azeitona!

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  3. ...e começava sempre, "... ainda na semana passada, quando fui à Guarda, visitar o seminário, encontrei um
    velho amigo que me contou.... (...), não somos nada" e já as pedras da calçada não davam sossego aos transeuntes que escorregavam uns, atrás dos outros, com tanta lágrima derramada!
    Eram de facto uns sermões especiais para apreciadores... e já os havia de dois tipos!
    Que descanse em paz...

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