quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ferraram-me co’ 53


Quando, por volta dos 11, abandonei a capital dos pinheiros bravos, das estevas,  das giestas  e... dos calhaus rumo ao SVD de Fátima, ferraram-me com um número que devia figurar em todas as peças de roupa que me acompanhassem e constassem da maleta de cartão que me acompanhou, arrumadinha, no compartimento do “cavalo de ferro”, como lhe chamava o ti’ Júlio, um dos poucos cérebros pensantes existentes no Violeiro. Ainda hoje conservo o 53!
Para mim isso era uma novidade como tantas outras coisas, que as pessoas recebessem um número. Assim, como exigirem um fato para dormir ao qual davam o esquisito nome de pijama (permitam-me: isso é lá nome que se prante a uma peça de roupa tão nobre e composta de duas peças?). A minha mãe sabia lá o que era esse tal pijama e muito menos para que servia. E ela até era costureira.
Chegado ao destino, depois de uma mudança de linha no Entroncamento, na companhia do meu conterrâneo António Luís (o qual carrega o feliz apelido dos Anjos Santos), que era o 55 lá nos alistámos no batalhão chefiado pelo capitão Francisco Faes e sob cujas ordens e orientações estivémos um ano. Um ano de certo modo pouco interessante, pois além das horas de trabalho o estudo limitava-se à repetição dos conteúdos da 4ª classe. E que capitão era FF: alto até dizer enorme, o que me intrigava bastante, pois os violeirenses devem andar pelo metro e setenta. Claro, como qualquer soldado raso tive que me habituar ao calçado novo, que era muito duro para os meus pés selvagens habituados a pisar, durante anos, directamente o solo, como aliás aconteceu com muita gente da minha geração. Adaptado à vida no quartel (nós até aprendíamos a marchar! Confesso que tinha alguma dificuldade em distinguir a esquerda da direita) continuei o meu trajecto escolar e profissional. Nem tudo foi bom provavelmente... isto porque eu era velhaquito ou velhaco? muito velhaco não era! Lembro uns “biqueiros” do Sousa Grande no campo de futebol, uma sova bem aplicada pelo Avelino Costa, junto das garagens, e outra dada pelo Mário Castro debaixo do carvalho.
Porém, a maior humilhação foi quando um dia o prefeito (FG) me chamou ao escritório e depois de me mandar pôr em sentido me apontou o indicador em riste, dizendo: “Minino, caso sério! Você é muito agressivo”. E eu nem sabia o que significava “agressivo”. Lembro, ainda com alguma tristeza, as lágrimas da impotência e a humilhação  da cena, mas isto não é nada quando lembro a alegria da leitura a minha maior paixão de pré-adolescente (Salgari e tantos outros autores encheram-me a cabeça de aventuras e a alma e o coração de emoções e alegrias inimagináveis). Jj-a

3 comentários:

  1. O meu "ferro" foi o 276, ostentei-o até aos meus tempos de Lisboa... hoje sustento-o, semanas a fio... como número final de lotaria e... não me posso queixar, por ainda o recordar!

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  2. Pois o meu, era o "96". Nunca uma peça da minha roupa veio da D. Isaura no monte de outro colega: não tem qualquer ambiguidade associada à sua leitura em inverso. Sorte que tocou também o "88". (...e, já agora, o "69")
    Abraço.

    N. Marques

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  3. Pois, meus caros... sem querer generalizar... as grandes instituições funcionam sempre em bases matemáticas... para elas a literatura é "coisa menor". Bem podiam pegar no alfabeto que tem muito mais letras (que os números de 0 a 9), mas nada: é número é número! Podiam por exemplo "alfabetizar" (numerar não): a, b, c, d,e, f, g... aa, bb, cc, dd, ee, ab, ac, ad... mas nada. Com a vantagem de nem sequer necessitarmos de "contar" pelos dedos das mãos... Um grande abraço para o 276 e para o 96. Jj-a

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