terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Em Demanda do Dito Cujo



 
(A história de uma longa espera e da sempre adiada incursão aos domínios do estonado)

Daniel Reis
 
Saudações verbitas, ilustríssimos camaradas.
Tenho vindo a contar as horas e os dias que nos separam da ida à Serra do Moradal e vendo, hoje mesmo, publicado o programa das festas começo-me, finalmente, a convencer que, desta vez, o bicho estonado, que ali nos leva, não escapa mesmo. E se eu tinha razões para desesperar! Às tantas, já me parecia estar a ler uma cópia foleira do medieval romance Em demanda do Santo Graal preparando-me, em consequência, para escrever uma versão mais contemporânea, adaptada às circunstâncias, e que me permitiria denominar algo assim como Em demanda do Santo Cujo, se me perdoarem a blasfémia.
Já lhes explico tudo, mais ao pormenor. Mas, antes, convém anotar duas ou três coisas sobre o dito cujo bicho, pois acredito que alguns não saibam, exactamente, do que se trata, pois também eu o não sabia antes de me informar junto de quem pratica essa verdadeira devoção gastronómica, que é o cabrito estonado da região do Pinhal e, mais especificamente, do concelho de Oleiros.
Que se tratava de um cabrito assado com pele e algum recheio de primícias das vísceras, já o sabia. Mas como o pelavam, era o ponto de interrogação. Ainda pensei que lhe dariam o mesmo tratamento a carquejas e fogo, que se usava em Bogas com os porcos, pela matança de Natal, quando eu era jovem e fazia questão de me levantar cedinho, para ajudar a segurar o bicho sacrificial, enquanto ele tinha forças para espernear.
Isto, claro, antes de entrar no seminário do Tortosendo porque, depois disso, ia lá eu tornar-me cúmplice de semelhante e nefando crime contra um pobre animal!
 
Nem carqueja nem maçarico:
só água quente e pouco a pouco

Sei agora que o juvenil chibinho se livra das carquejas. E do moderno maçarico, hoje predominantemente utilizado para pelar os porcos, antes de eles se transformarem em febras, chouriços e presunto? Também disso o pobre se livra. Até porque, de tão tenrinho, ficava logo esturricado, sem pelo e sem pele e, talvez até, sem nada para depois um cidadão mastigar a gosto.
O facto é que o cabrito (de apenas um mês, mês e meio) é estonado (pelado) em água quente, quase fervente, pouco a pouco até ficar lisinho e pronto a sujeitar-se à assadura. Bem sei que ao pobre não perguntam se preferia as carquejas, o maçarico ou a água quente, para lhe tirarem o pelo. Mas também não se pergunta ao frango como prefere o desconforto da viagem até ao prato do predador humano, que está escrever este horror.
Bem, deixemo-nos de coisas tristes e vamos ao romance de pacotilha, que ousei apelidar de Em demanda do Dito Cujo.
Para já, um pedido de desculpas ao Fernando Carvalho. É que tínhamos combinado os dois ir a Oleiros em demanda do bicho, justamente no dia em que o Desportivo do Fundão fosse jogar ao Estreito, para defrontar o clube de que ele é fã e que eu considero ser portador do mais bonito nome, no futebol cá do burgo: as Águias do Moradal. Informaram-me tarde demais que era a 20 de Dezembro. Aliás, ainda hoje estou para saber quem ganhou, embora desconfie de empate, atendendo à classificação do Campeonato Distrital. Ainda por cima, estava lá para a Serra algarvia, onde hoje passo muitos dos meus dias desterrado, e já não podia fazer nada.
 
Os meus amigos e o trio
de cabritos de estimação

Esta foi a mais recente oportunidade perdida, na demanda pelo tal cabrito, lá no seu berço natal. Muito antes e repetidamente, vinha adiando para as calendas outras incursões a Oleiros, partindo de um ponto mais a Norte, a Cova da Beira. Muitos dos meus amigos de lá, especialmente o fotógrafo Diamantino Gonçalves, que é de ao pé do Zêzere, um pouco mais acima, e o Fernando Paulouro, director do Jornal do Fundão, são fanáticos do estonado. E as vezes que nos temos comprometido, a ir-lhe prestar as devidas homenagens! Mas nunca deu: quando vou ao Fundão, ou são eles que não podem ir, ou falta-me a mim o tempo para a dolorosa peregrinação pela N238, a estrada com mais curvas, que alguma vez vi.
Finalmente, estava eu ainda no Expresso, talvez há uns quatro ou cinco anos, até propus a publicação de uma Roteiro de fim-de-semana, num dos cadernos que então o jornal tinha, justamente sobre os lendários cabritos do Interior Beirão. Ou seja: almoço de Sábado com o cabrito grelhado das Aradas (ali perto da barragem de Santa Luzia), jantar na Erada à base do ainda mais exclusivo cabrito recheado e, claro, o estonado de Oleiros, ao almoço de Domingo, de regresso a Lisboa. Como é óbvio, também me propus a mim como escrevinhador da coisa e a um fotógrafo amigo para a produção dos competentes bonecos. Mas o resultado foi uma nega, que me levou muito a digerir.
Espero bem que seja desta e que a excursão aos domínios do dito cujo estonado se concretize em beleza. E resulte em mais uma jornadas das nossas, de harmonia e fraternidade verbitas.
Então, até Sábado.
D.R.                 

4 comentários:

  1. Caro Daniel,

    Já estou a imaginar-te ansioso com esta espera! Já estamos em contagem decrescente, meu caro...

    E, como se apregoa no velho ditado, "mais vale tarde que nunca"!

    Tens razão: já não apanhamos o Aguias vs Fundão e perdemos tb derby local, Águias vs Oleiros, que tb não desmerece e foi no passado fim de semana (vitória das Aguias, como não poderia deixar de ser!).

    Mas não perderás por esperar... Estarei atento e para a próxima não falhará!!!

    Abraço,

    Fcarvalho

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  2. Que és artista, já todos sabemos.
    É sempre um prazer ler as tuas crónicas. O teu pecado, como reconheces, é aquele vicio de não quereres fazer a ponta de um corno. um abraço do barroso e até sabado

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  3. Anda mesmo "auguado" o "môce"! Nem do maranho, nem do bucho fala é só "dito cujo" p'ra cá, "dito cujo" p'ra lá! Com a vontade que estás! Hummm... vamos lá ver se chega!

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  4. Meu amigo "medronheira", fique sabendo que "não fazer a ponta de um corno", mais do que nunca, é uma arte e um saber!

    Deus te conserve assim amigo Daniel, que ele é um invejoso sem objectivos!

    Dado que iniciamos esta polémica, podíamos explorá-la mais profundamente, é um tema que me interessa e pode haver mais adesões! (Atenção que o tema é "não fazer a ponta de um corno", nada que tenha a ver com "calões" - daí a dificuldade da discussão)

    Depois das fotos do cabrito temos que nos recompor!

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