quinta-feira, 18 de abril de 2013

Obrigado, Daniel


José Teodoro Prata

Acabo de ler o teu livro sobre a vida dos mineiros, no couto da Panasqueira. O Chico emprestou-mo. É já uma relíquia histórica (edição de 1978), mas no ano passado assisti a uma peça de teatro que parecia mesmo baseada nele. O Fernando Paulouro é que te pode informar se sim ou não.
Gostei especialmente do capítulo em que apresentas os testemunhos dos mineiros, na primeira pessoa. É um falar rude, mas quantas palavras dos eruditos consegue o povo resumir numa frase tosca de meia dúzia de palavras. São expressões de uma força incrível!
«E aqueles engenheiros e aqueles bandidos: era como se agarrassem um rato pelo rabo, acenando com ele aos gatos. Vinha uma malta de gatos, cheios de fome. Todos queriam chegar ao rato. Era brincadeira pagada, com o povo, ao engano.»
O meu pai também por lá andou, mas poucos meses e trabalhava no exterior. Na minha casa contava-se esta história: um homem do Casal dos Ramos (São Vicente da Beira) morreu num acidente, dentro da mina. A viúva, com os filhos pequeninos, nem dinheiro tinha para lhes matar a fome, quanto mais para pagar o funeral ao Pe. Tomás. Mas ele exigiu-lho, até ao último centavo! Pagou-lho a prestações, a trabalhar ao dia.


Ainda não era nascido ou devia ser muito pequeno, pois não tenho ideia disso, mas lembro-me de morrer um homem com a doença da mina, lá na minha terra. Deixou viúva e um rancho de filhos pequenos. Nesse tempo morriam todos até aos 40 anos, como contas no livro.
«Morria lá muita gente. Eu andei lá nove anos e lembro-me que nesses anos morreram 28 homens só em desastres dentro da Mina. O turno que saía antes de nós rebentava fogo. Quando nós entrávamos para aquelas galerias, que não tinham passagem nenhuma de ar para a Panasqueira, estava lá a poeira toda, ali pousada no chão. A gente começava a mexer no cascalho, aquele pó levantava-se e chegavam a vir trinta e quarenta homens em vagões, como mortos, cá para fora. Ficavam bêbados com o tufo.
E a quem vinha para a rua não lhe contavam o dia. Já viste como era?»
Sabes que me nasceram os dentes das preocupações sociais com uma história da mina? Andava no 5.º ano (1973) e no Seminário líamos o Jornal do Fundão. Em cada semana, um tema sempre repetido: o processo judicial contra o jornal, por ter denunciado a situação de miséria de um antigo mineiro. Um dia, um dos padres explicou-nos a história toda e eu descobri que o mundo era uma casa muito grande, muito maior do que aquele casarão do Tortosendo, mais a minha casita na Tapada.
Obrigado por ajudares a preservar a memória desses tempos tão difíceis.


3 comentários:

  1. Onde posso comprar esse livro?

    Abraço
    Manuel Augusto João

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  2. Viva Manel!
    O livro foi editado por A Regra do Jogo, Edições, em 1979 (e não 78, como escrevo no artigo). A editora já nem existirá.
    Mas o Daniel Reis saberá alguma coisa mais!
    Um grande abraço para ti.
    José Teodoro

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  3. O Zé Teodoro a escrever é como um pintor de aguarelas.
    E é um rapaz com uma grande consciência social. Digo aqui o que não disse (porque não sabia), em relação a um artigo que escreveu, há tempos, para este blog, sob o tema 'homens sem coração' : fantástico.
    Um abraço, Zé.

    Zé Barroso

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