sábado, 24 de março de 2012

A QUANTOFRENIA



 F. Barroso

João José Cochofel - 1988
Não sei se já se aperceberam, mas a quantofrenia está a enlouquecer-nos. Convirá talvez dizer, para aqueles que deixaram de estudar à saída da escola, seja primária, secundária ou superior, que “quantofrenia é uma visão unicamente quantitativa, na qual toda a concepção das qualidades desaparece”. O que importa são os números, não a realidade que representam.

É uma moda importada, porque modas nossas temos poucas. O Fado, património imaterial da humanidade e a Saudade, um consolo genuinamente português, visto que os outros povos são incapazes de a sentir.

A quantofrenia cheira à América. Deve ter sido inventada e desenvolvida pelos seus gurus da gestão empresarial, um qualquer Peter Drucker ou um Alfred Chandler, mas quem usa e abusa dela é a China. Basta lembrar a diversidade da quinquilharia que vendem ao Ocidente e a sua qualidade intrínseca.

Em Portugal entrou pela manifesta necessidade dos políticos que, a propósito de tudo e de nada, têm de apresentar sempre uma percentagem. É o desemprego a subir, é o défice a derrapar, são as exportações a crescer… Daí a ter passado a toda a sociedade e penetrado todos os sectores da Administração foi um ápice. Estendeu-se de igual modo tanto ao sector produtivo (empresarial) como improdutivo (educação, segurança social, defesa, entre outros), tendo levado à imprescindível necessidade de avaliar toda a gente, desde o motorista ao director. Com objectivos, indicadores de medida, critérios de superação e quotas. Nem os professores escaparam. O clero, esse, mantém-se imune a este desvario, mas tão só pela falta de concorrência (cada vez menos para tão vasta messe) e incapacidade de aferir a percentagem de salvação das almas.

O pessoal anda desanimado, triste e salamurdo. E o pior é que o desânimo está a alastrar a nichos de mercado em que era impensável vir a verificar-se. Não é que por puro acaso vim a saber que o Sá Leão, jovem empreendedor, empresário de sucesso e realizador dos melhores filmes porno nacionais, (que não devem ser visionados no período Quaresmal) também introduziu o sistema de avaliação de desempenho por objectivos às actrizes? Sabem qual o critério de superação, que quando atingido, equivale a manterem o posto de trabalho? Permitirem, em certos enredos mais complexos e inebriantes, três instrumentos em simultâneo dentro do corpinho…Ora, é óbvio que tal situação prejudica o diálogo. As moças ficam com os nervos em franja e mesmo quando gemem, de prazer? parece que a todo o momento podem desatar numa enorme choradeira.

Como vêem até aquilo que o ignaro povo chama de vida fácil, se está a tornar asfixiante por causa da concorrência brasileira e de leste. É este o nosso mundo, desde que se tornou uma aldeia global.
A qualidade é na verdade outra coisa. É claro que é importante quantificar. Sem, todavia, descurar a qualidade e saber para que fim quantifica. Acham que se se quantificasse com qualidade o grande Lehman Brothers teria falido pouco depois de ser avaliado com um banco seguro e se verificaria a ruína da Goldman Sachs e do Morgan Stanley, que esteve na base da enorme crise financeira que está a varrer todo o Ocidente? Se tivessem avaliado com qualidade as necessidades dos portugueses o investimento iria sobretudo para estádios de futebol e auto estradas, umas ao lado das outras?

E depois há coisas que não se podem avaliar. A incapacidade resulta da sua própria natureza. Como é que se avalia a intensidade do prazer do primeiro amor? Como é que se avalia o calor do coração, ao beijar um filhote quando antes de deitar, nos vamos assegurar se tudo está sossegado e ele dorme como um anjinho?

O homem e o antropos-economico
Este modelo de sociedade que o nos impuseram, de pressão permanente, pela competição quotidiana com os outros, mesmo quando a nossa natureza é de cooperação ou contemplação e pela falta do horizonte que nos roubaram está a desagregar-nos, a roer a nossa coesão.

Como dizia António Sérgio: o que faz de um qualquer número de pérolas um colar é o fio invisível e interior que as une, que as liga a todas numa certa ordem, segundo uma determinada configuração

Como vos digo eu, aqui e agora: temos de recentrar-nos. Dar menos importância à exterioridade e reaprender a ver o outro como igual e não como rival. A não deixar que o fio invisível se rompa. Dizendo de outra forma: a partilhar a selada como já faz o amigo Casimiro Barata.

8 comentários:

  1. Grande Chico filósofo! J. Augusto

    ResponderEliminar
  2. Vou só transcrever alguns dos comentários que o ensaio do Francisco já suscitou:
    1. Isasilva Silva Pois não conhecia a palavra Quantofrenia.... Mas gostei do texto e tbm me pareceu uma grande (Selada) como diz as tantas o autor do texto, penso eu! Gostei do resumo e da citação....Como dizia António Sérgio: o que faz de um qualquer número de pérolas um colar é o fio invisível e interior que as une, que as liga a todas numa certa ordem, segundo uma determinada configuração… Obg pela partilha! Um ótimo fim de semana para Si ...Abrç

    2. José Loureiro ‎Vitor Baptista, li e "embasbaquei"! Conceitos dignos de bons tratados de filosofia e economia. Marx ou Engels, não teriam feito melhor. Pudera... outros tempos! :)

    3. Rodolfo Amado da Silva Adorei. E concordo que nem tudo é quantificável! Sobretudo o amor...

    Orgulhosos do nosso Xico?... Não é p'ra menos, dito por quem nos visita!

    ResponderEliminar
  3. Eu também embasbaquei.
    Como é que aí por Lisboa, a correr de um lado para o outro (é assim que nós, os provincianos, imaginamos a vida na capital), o Chico encontrou calma para tamanha lucidez?
    Um abraço.
    José Teodoro

    ResponderEliminar
  4. Bruno Ribeiro Barata27 de março de 2012 às 18:10

    Não querendo ser quantofrénico como o professor Marcelo, não resisto à tentação de antitesar (vem da palavra Antítese, o uso da palavra não está relacionado com a referência ao Mestre Sá Leão), 20 valores para o Francisco Barroso!

    ResponderEliminar
  5. Heim... Xico!
    Passas a escrever um crónica semanal!

    ResponderEliminar
  6. Concordo, uma crónica semanal para nos fazer felizes... Belissima dissertação tio.
    bjs

    ResponderEliminar
  7. E que o fio interior seja de aço inoxidável para nunca enferrujar nem partir. Abraço

    ResponderEliminar
  8. Excelente artigo do nosso Amigo Barroso. Com efeito, creio que é mais que tempo de revalorizar a vida, valorizar as pessoas pelo que são no seu íntimo e não pelo que têm. Esta mania de tudo querer mensurar é kafkiana!
    Se quisermos viver com dignidade, precisamos de cultivar o sentido do Belo, da Beleza que só pode provir do Bem, a pureza do espírito, e permanecermos fiéis aos nossos princípios e aos valores perenes que foram transmitidos de geração em geração mas, hélas! a actual geração não os assimilou, e mesmo dentro da nossa já muitos perderam quaisquer referências e a noção do Bem e do Mal.
    Resta-nos permanecer, para quem é crente, fiéis à Palavra, caminho seguro de procedermos correctamente uns com os outros.
    Lamentável é, porém, o facto de quem nos tem governado nos últimos anos não possuir quaisquer princípios de Moral que norteiem a respectiva actuação. Daí o descalabro a que chegámos em todas as vertentes da nossa sociedade.

    Cabral-Mendes

    ResponderEliminar

O seu comentário é muito importante.
Obrigado