José Teodoro Prata
O autocarro
parou na entrada do bosque de bétulas, aos pés do Cântaro Magro. Metemos as
mãos na água fresca do Zêzere ainda menino e fomos caminhando para o interior,
extasiados com a paisagem.
No final do
parque, o terreno começava a subir e o passeio tornou-se mais difícil, por
entre matos altos e pedras aguçadas. O Pe. Jerónimo parou e disse:
“Quem quiser,
vem comigo a pé até à estrada que passa além, no alto. O autocarro espera lá
por nós.”
Cantaro Magro |
A provocação
era irrecusável. Embora ele fosse filho e irmão de quem era, não lhe conhecia
pergaminhos que não fossem livros e missas, tirando talvez umas investidas
semanais contra as balizas adversárias. E ainda uma paixão total pelo Benfica
que, em todo o caso, não exigia a ele destreza física.
Habituado às
andanças na serra, fui logo atrás dele, eu e umas duas dezenas de colegas.
Subimos por uma passagem estreita entre encostas rochosas a pique e chegámos a
uma zona plana, parecia o fundo de uma malga partida na borda, por onde
tínhamos entrado.
Em lado nenhum estrada
ou autocarro, isso ficava lá num cimo ainda invisível! Continuámos, pois o
nosso guia mal parara e já nos ganhava dianteira. Subimos, subimos, agachados,
avançando com o impulso da força que fazíamos agarrados nos matos e nas pedras.
Mal nos atrevíamos a endireitar o corpo, pois parecia que caíamos para o precipício
lá no fundo.
Não parávamos,
pois temíamos ficar para trás, o Pe. Jerónimo já lá ia à frente. Arfávamos de
boca aberta, uma sede atroz! Mas um fio de água descia por entre tufos de
ervas: deitei-me no chão, fiz uma covinha, esperei que a água aclarasse e bebi
sofregamente. Depois continuei, agora de gatas, pois o meu medo de cair para
trás aumentava na razão directa do aumento do declive.
Lembro-me
vagamente dos companheiros que trepavam a meu lado: Manel Augusto, Chico
Barroso e Ramos Silva. Talvez estes ou não, uns animavam os outros, para
ninguém ficar sozinho.
Mais umas
braçadas e já se viam as guardas da estrada e depois os nossos colegas.
Chegámos, meio embriagados pelo cansaço e pelo entusiasmo de termos conseguido.
Penso que foi no meu 5.º ano (9.º ano) e tenho esta subida a parte do Cântaro
Magro no quadro de honra dos melhores momentos da minha adolescência.
Depois do
almoço, natação na Lagoa Comprida. Novo desafio do Pe. Jerónimo: nadar até ao
paredão da barragem. Alguns acompanharam-no e conseguiram (Chico Barroso,
Maurício Melfe (Ferro)…), outros voltaram para trás, mas eu nem passei das
margens. Sou terra, nada de água, nem ar.
No final,
comentámos a pujança do nosso prefeito. O velhote (30 anos) tinha garra!
O meu amigo Zé Teodoro, além de bom escritor e historiador, tem uma cabeça de ferro. Lembra-se de imensos pormenores que fazem a diferença. O Ramos Silva é outro, só que não escreve, infelizmente.
ResponderEliminarDe toda esta história, o que ficou foi a memória de um frio e entranhado de meia hora a bater o dente depois de sair da lagoa, pois se era só pele e osso...
F. Barroso