quinta-feira, 8 de março de 2012

Na Estrela, até aos limites…



José Teodoro Prata

O autocarro parou na entrada do bosque de bétulas, aos pés do Cântaro Magro. Metemos as mãos na água fresca do Zêzere ainda menino e fomos caminhando para o interior, extasiados com a paisagem.
No final do parque, o terreno começava a subir e o passeio tornou-se mais difícil, por entre matos altos e pedras aguçadas. O Pe. Jerónimo parou e disse:
“Quem quiser, vem comigo a pé até à estrada que passa além, no alto. O autocarro espera lá por nós.”

Cantaro Magro
A provocação era irrecusável. Embora ele fosse filho e irmão de quem era, não lhe conhecia pergaminhos que não fossem livros e missas, tirando talvez umas investidas semanais contra as balizas adversárias. E ainda uma paixão total pelo Benfica que, em todo o caso, não exigia a ele destreza física.
Habituado às andanças na serra, fui logo atrás dele, eu e umas duas dezenas de colegas. Subimos por uma passagem estreita entre encostas rochosas a pique e chegámos a uma zona plana, parecia o fundo de uma malga partida na borda, por onde tínhamos entrado.
Em lado nenhum estrada ou autocarro, isso ficava lá num cimo ainda invisível! Continuámos, pois o nosso guia mal parara e já nos ganhava dianteira. Subimos, subimos, agachados, avançando com o impulso da força que fazíamos agarrados nos matos e nas pedras. Mal nos atrevíamos a endireitar o corpo, pois parecia que caíamos para o precipício lá no fundo.
Não parávamos, pois temíamos ficar para trás, o Pe. Jerónimo já lá ia à frente. Arfávamos de boca aberta, uma sede atroz! Mas um fio de água descia por entre tufos de ervas: deitei-me no chão, fiz uma covinha, esperei que a água aclarasse e bebi sofregamente. Depois continuei, agora de gatas, pois o meu medo de cair para trás aumentava na razão directa do aumento do declive.
Lembro-me vagamente dos companheiros que trepavam a meu lado: Manel Augusto, Chico Barroso e Ramos Silva. Talvez estes ou não, uns animavam os outros, para ninguém ficar sozinho.
Mais umas braçadas e já se viam as guardas da estrada e depois os nossos colegas. Chegámos, meio embriagados pelo cansaço e pelo entusiasmo de termos conseguido. Penso que foi no meu 5.º ano (9.º ano) e tenho esta subida a parte do Cântaro Magro no quadro de honra dos melhores momentos da minha adolescência.
Depois do almoço, natação na Lagoa Comprida. Novo desafio do Pe. Jerónimo: nadar até ao paredão da barragem. Alguns acompanharam-no e conseguiram (Chico Barroso, Maurício Melfe (Ferro)…), outros voltaram para trás, mas eu nem passei das margens. Sou terra, nada de água, nem ar.
No final, comentámos a pujança do nosso prefeito. O velhote (30 anos) tinha garra! 
Na Cabeça do Urso, um ou dois anos depois.
Da esquerda para a direita e de baixo para cima: João Rente (Estreito), José Bernardo (Peroviseu), José Teodoro (São Vicente),  Carlos Bizarro (Teixoso), José Augusto (São Vicente), Virgílio de Matos (Peso), Elísio Gama (Maxial da Ladeira), Ramos Silva (Vale de Espinho), Francisco Barroso (São Vicente), Manuel Augusto (Aldeia da Ponte), José António (Rochas de Baixo) e José Antunes (Maxial do Campo).

1 comentário:

  1. O meu amigo Zé Teodoro, além de bom escritor e historiador, tem uma cabeça de ferro. Lembra-se de imensos pormenores que fazem a diferença. O Ramos Silva é outro, só que não escreve, infelizmente.
    De toda esta história, o que ficou foi a memória de um frio e entranhado de meia hora a bater o dente depois de sair da lagoa, pois se era só pele e osso...
    F. Barroso

    ResponderEliminar

O seu comentário é muito importante.
Obrigado