quinta-feira, 29 de abril de 2010

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Já lá vão mais de cinquenta...
Ir. José de Jesus Amaro, svd


  Chegou a Fátima já lá vão... mais de 50 anos! Lembra que na altura era reitor do seminário o Pe. Eugénio Selbach e ecónomo o Pe. Jorge Poljak, além dos vários “prefeitos” dos alunos e candidatos e outros padres professores.
Veio para ser cozinheira, mas ainda fez um estágio de uma semana na lavandaria. Terminado, porém, esse curto intervalo, a cozinha passou a ser o seu “território de missão ad gentes e o Irmão Anacleto (cozinheiro) o seu chefe directo, pessoa de quem fala com imenso respeito e carinho.
Apesar dos seus conhecimentos de alemão irem pouco além do Ja e do nein, isso não a impediu de se tornar uma eficaz e competente ajudante de cozinha. Para facilitar a comunicação a Ana criou um “dialecto” para me melhor comunicar com o irmão, cujo português estava ao mesmo nível do seu alemão. Como exemplo, lembro o famoso: “Irmão dizer, Ana fazer”. Além de verbos e substantivos, que mais precisa uma língua? Apesar de tudo, podemos garantir que nunca ninguém passou fome por dificuldades
de comunicação.
Os tempos eram difíceis e o trabalho era muito. Preparar, diariamente, refeições (pequeno almoço; sopa das 10H; almoço (já às 12:30H), lanche (16:30H) e jantar (19.30H) para cerca de duas centenas de pessoas era tarefa árdua e exigente. Isto para além de cozer o pão, fazer os doces, lavar e arrumar a cozinha, lavar a loiça (não havia máquinas de lavar), etc.
Confessa que os primeiros tempos foram tempos de algumas de dificuldades: falta de arroz, pouca fruta (só às 5.as feiras e domingos)... Mas, apressa-se a dizer que, apesar das dificuldades, “ninguém passava fome”.
O regime de trabalho também não era “pera doce”, como já vimos, pois folgas e feriados eram conceitos desconhecidos na altura. Se alguém queria ir a casa tinha de voltar nesse dia para garantir o normal funcionamento da casa. Além disso, o trabalho era todo feito à mão e, em tempos de “crise”, chegavam mesmo a ir buscar água ao santuário (monumento ao Sagrado Coração de Jesus).
Como é que uma raiana chega a Fátima?
Pois bem, o pai não a deixava ir para França, onde ela queria ir ganhar dinheiro para ajudar a família (era impensável uma moça solteira sair para o estrangeiro), mas não se opôs a que ela viesse trabalhar para Fátima. Os primeiros contactos foram durante uma peregrinação a pão e água. Ela trazia “qualquer coisa” para a sua conterrânea Belmira, que já trabalhava no seminário, e acabou por ser convidada pelo Pe. Jorge Poljak a vir trabalhar para o Seminário do Verbo Divino (também de referir que já cá estava o José Augusto da Teresa, mais tarde irmão António, também natural do Soito).
Ouvindo os conselhos da Belmira acaba por aceitar o convite e, no ano seguinte, dá entrada no Verbo Divino de Fátima... onde se encontra até hoje.
Já lá vão mais de cinquenta... Veio ganhar pouco: 10 escudos por dia. Mas esse pouco acabava por ser muito, pois era garantido todo o ano, enquanto o que ganhava lá pela raia era menos e nem sempre certo. Ajudar a família era o grande objectivo. E, conta que nem sequer via a cor do dinheiro, que ia directamente para casa para ajudar o pai a fazer frente às despesas da família.
Mas o seminário era um mundo de gente nova: alunos, candidatos, padres, irmãos, professores, funcionários. Um mundo vivo e com características muito próprias. E era este mundo que era necessário gerir, alimentar, ensinar, orientar, ocupar etc... e para que tudo funcionasse bem era necessária uma boa cozinha daí que uma boa parte dos funcionários trabalhassem directamente na cozinha ou em função dela: cuidar dos animais (porcos, vacas e galinhas), descascar batatas, providenciar o leite e a lenha e preparar as refeições, que tinham de estar prontas “à hora marcada” (e não fosse a casa gerida por alemães!).
Para mostrar a forma rígida como a vida era encarada lembrou o “caso das maçãs” do padre M. Devido à sua débil saúde, o padre M. comia duas maçãs cozidas todos os dias. Maçãs essas que vinham “de fora”. Ora um belo dia, uma das empregadas teve a “infeliz” ideia de comer uma maçã e de ir oferecer outras aos trabalhadores da quinta. Errou! O padre M. ao aperceber-se de que faltavam maçãs na caixa desceu à cozinha e limitou-se a dizer: “não vamos discutir o que aconteceu, porém quem tirou as maçãs que arrume as suas coisas e vá embora”. Ninguém se atreveu a questionar ou discutir a ordem nem a argumentar fosse o que fosse em defesa da “pobre”. Ela arrumou as suas coisas e foi embora”.
Ao evocarmos a figura da Ana (Ana Antunes) evocamos todos os empregados e empregadas que, ao longo destes 60 anos de presença da SVD em Portugal, deram um contributo inestimável ao trabalho educativo e pastoral dos missionários do Verbo Divino. No muito ou pouco que se fez também está presente o trabalho de todos eles, independentemente da função, do lugar e do tempo.
Olhando para trás, com uma certa nostalgia, a Ana remata: “apesar das dificuldades foram tempos bons... e não havia a fartura que há hoje”.

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