"O mal está nos outros... e também está em nós". Neste tempo de advento de natal, de crises que permanecem e de tantas coisas que nos enchem os olhos e os ouvidos... e até nos provocam um certo desconforto físico e espiritual, dei comigo a meditar nesta frase de Etty Hillesum, uma jovem holandesa que morreu em Auschwitz, em 1943, com 28 anos de idade. e no significado que ela poderia ter para os que ainda acreditamos que andar por este mundo, de nosso senhor, tem de ter algum significado maior que o das aparências, do arranjar dinheiro e dar respostas de algibeira. Nestes tempos, falamos à boca cheia e fluentemente de dinheiro, de prendas, de desastres naturais e outros, de assaltos, de roubos, de invejas, de vinganças, de esbanjamento, de pobreza, de guerras, de terrorismo...etc...etc... Fazemos juízos de facto ou de intenção e chegamos sempre à conclusão fatal: o mal está nos outros! É no presidente, é no governo, é na ministra, é no presidente da câmara ou da junta, é nos patrões, é nos mcs, é na igreja, é nas televisões, é nos colegas... em alguém, menos em nós.Enfatuados, escanhoados e bem vestidos: uns; pindéricos, miseráveis, rotos e esfarrapados : outros. É assim o nosso mundo: binário nos discursos e na ética. Desumanizados, acusadores, injustos, egoístas, irresponsáveis... vamo-nos esquecendo que o mal, o mal do mundo, deste mundo, também é nosso e tem também o nosso carimbo pessoal.
Quando alguém se aproxima de nós o primeiro olhar é para a classificação. Céleres, com o leitor do código de barras na mão, introduzimo-lo na nossa lista de classificados. Uma vez arrumado no arquivo dificilmente dali sairá, por mais voltas que dê. Nós não nos enganamos nas nossas avaliações: há bons e maus e pronto! Os bons somos nós (não sei bem porquê, mas somos sempre nós) e os maus terão de ser os outros (sobretudo se desconhecidos, estrangeiros e vagabundos). No medo dos outros não estamos mais que a camuflar o medo de nós próprios: do nosso interior, das nossas inquietações, limitações e misérias: De encontrar nesse interior ódios e medos recalcados, desejos inconfessados, memórias incómodas... enfim, de encontrar o mal em nós.
O grande desafio é admitir que também eu sou capaz de matar, roubar, mentir, odiar, falsificar, esconder, agredir, dissimular, enganar... Admitir, por mais que me custe, que como ser humano não estou vacinado definitivamente contra nada e muito menos contra o mal que também está em mim. Admitir que nas minhas entranhas há grandeza, mas há também territórios escuros, cheios de dúvidas e de vergonhas (que berro, sou preguiçoso, choro, sou autoritário...), que não publicito, porque isso seria diminuir-me como pessoa. Conviver com os medos e limitações e usá-los para crescer é o lado mais luminoso do grande desafio. De quem não anda por aí só por andar, de quem não vive só por viver; mas anda por aí, de candeia na mão, à procura de significado e sentido para a vida e os vai encontrando, quando procura e caminha junto com os outros e quando descobre que os outros não são meros caminhos e companhia, mas são o significado e o sentido para a vida... para uma vida... para qualquer vida. E esses outros são tão coxos e tão saudáveis como nós ... esses onde muitas vezes só vemos/víamos o mal... j.a.
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