Francisco Barroso
Maio 2013
O que parecia
impossível aconteceu, mas é que aconteceu mesmo. A realidade dos últimos anos
virou a minha vida e talvez a de alguns de vós também, de pernas para o ar. Para ser
mais rigoroso, não foi a realidade, foram antes os sonhos que construí com a
realidade anterior à destes tempos de agonia.
Uma vida tão
bonita que eu tinha (e tenho), mas os sonhos, esses, desvaneceram-se.
Converteram-se em pesadelo.
Aos 58, mais
coisa menos coisa, reforma correspondente ao salário. Filhos criados, a construir
o futuro deles. Uns bons anos em perspectiva para viver aquilo que os
anglo-saxónicos designam de 2.ª life.
Plantar umas árvores na minha Gardunha, visitar países onde não tive ainda
possibilidade de ir, agarrar a vida com as mãos e fazer dela o que me desse na
real gana.
A verdade é que a reforma está cada
vez mais longe e o seu valor perspectiva-se cada vez menor. O salário, cada vez
mais baixo. O trabalho cada vez mais: E o pior: os filhos sem futuro. Se isto
não é um pesadelo é o quê?
Ontem ouvi o
Passos Coelho e o Seguro. Deprimi. No dia 1 de Maio ouvi o Arménio Carlos e não
entendi. Incapacidades minhas, admito. Mas eles também se mostram incapazes de
aceitar a realidade. Refugiam-se num sonho, que é o deles, de onde se recusam a
sair. O discurso do Arménio estava bem construído, mas ignora um aspecto da
realidade por demais conhecido: o país está falido. O Passos e o Gaspar,
cretinos do mais alto calibre, discursam como se a governação fosse um mero
exercício de contabilidade e não houvesse pessoas reais pelo meio.
A minha Cristina
anda arrasada. Já era para se ter reformado o ano passado. Vai lá vai. Os educandos
cada vez mais difíceis, cada vez menos atentos, cada vez menos respeitadores.
São o reflexo perfeito da modernidade líquida, um tempo de mudanças e movimentos constantes, onde nada solidifica,
tudo é instável, fragmentado e disperso, determinado pelo curto prazo e pela
incerteza permanente, como a define Zygmunt Bauman, um dos grandes
pensadores do nosso tempo.
Depois, aqui
para nós que ninguém nos ouve, eu penso que ela, aliás como a maioria das
professoras, deve ter uma paixão platónica pelo Ministro da Educação. É que
chega a casa depois de um dia de trabalho e antes do jantar e depois do jantar
ainda se agarra ao computador, a preencher fichas de alunos, a fazer
relatórios, a fazer avaliações. Chega a trabalhar 10, 12 horas por dia em
certas alturas e acho que há muitas assim. Há algum tempo, comentei isto com o
Zé Teodoro e diz-me que a Idalina (a mulher dele) é igualzinha.
Acho que é por
estas e por outras que agora falam de aumentar a semana de trabalho para as 40
horas. É que eles não são burros são é velhacos. Sabem perfeitamente que a
maioria dos trabalhadores são de grande dedicação e profissionalismo, trabalham
muito para além do que eles merecem, mas fazem-no pelo sentimento do dever.
Fazem-no apesar da redução dos salários e da afronta permanente de que são
alvo.
Completamente
diferente deles e dos amigos que nomeiam para o desempenho de altos cargos.
Veja-se o caso da gestão do Metro do Porto. Da Carris. Da Refer. Do BPN. O
problema de Portugal, não é dos que servem o país, nas empresas ou no Estado, é
antes dos que se servem do país e coberto de um quadro legal que só funciona
numa direcção, apesar das leis deverem ser de aplicação geral e abstracta,
nunca são responsabilizados pelo mal que lhe causam.
Mas já me estava
a perder. Para além disto, a pobre da Cristina tem ainda de cuidar da mãe. Já
incapaz de fazer coisas tão simples como tomar um simples duche. Imaginem o que
será dar banho a uma versão menor do Colosso de Rodes (já há cerca de 20 anos o
cardiologista Fernando Pádua lhe assegurou que o problema principal dela eram
duas arrobas a mais). Ele é frente, ele é verso, é cabeça, é pernas, uma
verdadeira estafa.
Confrange-se-me
o coração de a ver assim. O trabalho, a mãe, os filhos, ela e eu, acrescendo a
tudo isto que a minha mãe aos 90 anos ainda se recusa a ver-me como um simples
pecador e me vê como um santo… e o esforço que isso me exige para não a
desiludir.
Então, no jardim das oliveiras em que se tornou ultimamente
a minha vida, tal como Cristo, tive uma revelação: o cálice deve ser bebido até
à última gota. E percebendo que fui criado à imagem e semelhança de Deus, e que
eu próprio sou um fragmento de Deus, como uma gota de água é um fragmento do
oceano devo fazer meu, o seu exemplo: servir.
Se Ele na última
ceia lavou os pés aos apóstolos, por que raio não posso eu sair da minha zona
de conforto, do meu egoísmo, para tornar a vida dos outros mais tranquila e
mais feliz?
Na verdade, o
sacrifico só é doloroso antes de compreender esta realidade. Todos os homens
venerados. Aqueles que mais admiramos, transmutaram o serviço aos outros de
sacrifício, no prazer do altruísmo.
Estou quase lá
ou não estou? E sinto-me melhor…
Tremenda chapelada Francisco, nem sei se não te vou magoar?
ResponderEliminarO país dos brandos costumes, governado pelo do 'bloco central' (PS-PSD-CDS), que é um só partido. Iludem-nos com este arrufes de virgens ofendidas para continuarem na senda do controlo total do aparelho de Estado e da total dependência dos bancos e dos grandes grupos económicos (todos saídos do Estado). Esses 'spots' continuam inacessíveis, à transparência, à justiça e ao escrutinio democrático. Estão totalmente blindados pelos lacaios da finança (António Borges, Carlos Moedas, João Moreira Rato - o último delfim, com véu de virgem e raminho de laranjeira na lapela!) e por um grupo de comentadores que constituem a linha avançada desta arquitectura para lançar os 'fumos' que marcam o ritmo político e garantem a inacessibilidade aos verdadeiros temas sobre a razão (permanente) da crise portuguesa: os grupos de interesse do 'bloco central', ou seja a panaceia do regime, que eleição após eleição, "muda as moscas e deixa sempre a mesma merda".
Não podemos alinhar em lavagem de roupa suja entre sujeitos. Queremos é saber como consolidamos um regime livre de interesses. Eu tenho três pontos e não arredo deles:
1- Criação de círculos uninominais - para uma democracia mais directa e participativa e para evitar que um relvas chegue a ministro sem os cidadãos se darem conta que foi deputado e já é reformado;
2 - Criminalização do enriquecimento ilícito - para que Dias Loureiros, Isaltinos, Socrates, Varas, Cavacos, Jorge's... tenham que dizer como adquiriram "parelhas, quintas e montes...", sem rendimentos declarados que os justifiquem?
3 - Inversão do ónus da prova para crimes financeiros e fiscais - para que os senhores do BPN, não se possam esconder atrás dos atavios processuais da justiça, ainda por cima, utilizando o dinheiro que nos roubaram...
Brilhante comentário Francisco!
ResponderEliminarQue fazer a pessoas que roubam aos pobres para dar aos ricos e que enriquecem à custa do sofrimento de milhões?
Malditos políticos corruptos e seus amigalhaços que sugam o sangue do povo! Não me apareçam à frente, pois teria de responder pelos meus atos diante dos que, indignamente, dizem defender a lei!Malditos!
Excelente texto, Francisco.
ResponderEliminarAcompanho-te, Vitor. Relativamente aos "comentadores" que referes, cada vez mais me convenço de que somos uma cambada de néscios: todos os dias o inventário das causas da nossa miséria e o receituário das mezinhas que desanuviariam o horizonte dos nossos filhos estão à distância de um microfone fixado a escassos centímetros da sapiência de um Mendes, de um Sócrates, de uma Leite, de um Coelho, de um Sousa... Que desafortunados fomos por os mesmos não terem tido responsabilidades políticas/governativas nos últimos 20 anos!; parafraseando a outra, parvos que somos por não aproveitar tão magníficas soluções! Como qualquer perdulário, só temos o que merecemos.
Abraços
Nicolau
O meu primo Chico Barroso escreve de forma correcta, clara e atractiva, graças a uma espécie de grandiloquência, a recorrer sempre aos maiores valores do Homem. Escrita, à qual imprime uma riqueza filosófica que lhe é própria. É um conhecedor do passado e um observador da actualidade, alertando-nos para as questões sociais colectivas. Mas também é fácil revermos-nos nas suas inquietações pessoais e da sua família mais nuclear.
ResponderEliminarUm abraço, Chico.
Zé Barroso
Primo Zé Barroso , é um poder que o meu tio tem cá na terra ....
ResponderEliminarTio Francisco, gostei muitissimo.Quando andamos preocupados em manter o emprego para ter o que dar a comer aos filhos, acabamos a trabalhar muitas horas que nos tiram tempo para estar com eles, tempo precioso para educa-los... É como dizes, estão a tirar-nos tudo e a exigir cada vez mais.
Só hoje li o texto do "nosso" Francisco Barroso!
ResponderEliminarNão tenho tempo nem jeito para retóricas, mas, caro amigo, agradeço-te estas palavras e a forma como as dizes. Adorei e digo-te que fiquei com um "nózito" na garganta!
Abraço
António Rui Barata
Francisco
ResponderEliminarLi, reli e gostei!!!
A maneira como transportaste através da escrita a realidade dos dias de hoje e, com o sentido de humor que tão bem te caracteriza, a realidade dos sonhos destruídos de tantas famílias que, como a tua, como a minha, se "desunha" para construir algo de valor que, num de repente lhes é retirado. No que diz respeito ao futuro dos filhos...isso nem quero falar que, até se me dói a alma...incerteza total!!!
Sinto que não pertenço aqui mas...pertenço! É como tu dizes e muito bem, o cálice deve ser bebido até à última gota!!!
Escreve, continua a escrever.
Fernanda Grilo