José Teodoro Prata
Acabo de ler
o teu livro sobre a vida dos mineiros, no couto da Panasqueira. O Chico
emprestou-mo. É já uma relíquia histórica (edição de 1978), mas no ano passado
assisti a uma peça de teatro que parecia mesmo baseada nele. O Fernando
Paulouro é que te pode informar se sim ou não.
Gostei
especialmente do capítulo em que apresentas os testemunhos dos mineiros, na
primeira pessoa. É um falar rude, mas quantas palavras dos eruditos consegue o
povo resumir numa frase tosca de meia dúzia de palavras. São expressões de uma
força incrível!
«E aqueles engenheiros e aqueles bandidos: era como se
agarrassem um rato pelo rabo, acenando com ele aos gatos. Vinha uma malta de
gatos, cheios de fome. Todos queriam chegar ao rato. Era brincadeira pagada,
com o povo, ao engano.»
O meu pai
também por lá andou, mas poucos meses e trabalhava no exterior. Na minha casa contava-se
esta história: um homem do Casal dos Ramos (São Vicente da Beira) morreu num
acidente, dentro da mina. A viúva, com os filhos pequeninos, nem dinheiro tinha
para lhes matar a fome, quanto mais para pagar o funeral ao Pe. Tomás. Mas ele
exigiu-lho, até ao último centavo! Pagou-lho a prestações, a trabalhar ao dia.
Ainda não era
nascido ou devia ser muito pequeno, pois não tenho ideia disso, mas lembro-me
de morrer um homem com a doença da mina, lá na minha terra. Deixou viúva e um
rancho de filhos pequenos. Nesse tempo morriam todos até aos 40 anos, como
contas no livro.
«Morria lá muita gente. Eu andei lá nove anos e lembro-me
que nesses anos morreram 28 homens só em desastres dentro da Mina. O turno que
saía antes de nós rebentava fogo. Quando nós entrávamos para aquelas galerias,
que não tinham passagem nenhuma de ar para a Panasqueira, estava lá a poeira
toda, ali pousada no chão. A gente começava a mexer no cascalho, aquele pó
levantava-se e chegavam a vir trinta e quarenta homens em vagões, como mortos,
cá para fora. Ficavam bêbados com o tufo.
E a quem vinha para a rua não lhe contavam o dia. Já
viste como era?»
Sabes que me
nasceram os dentes das preocupações sociais com uma história da mina? Andava no
5.º ano (1973) e no Seminário líamos o Jornal do Fundão. Em cada semana, um
tema sempre repetido: o processo judicial contra o jornal, por ter denunciado a
situação de miséria de um antigo mineiro. Um dia, um dos padres explicou-nos a
história toda e eu descobri que o mundo era uma casa muito grande, muito maior
do que aquele casarão do Tortosendo, mais a minha casita na Tapada.
Obrigado por
ajudares a preservar a memória desses tempos tão difíceis.
Onde posso comprar esse livro?
ResponderEliminarAbraço
Manuel Augusto João
Viva Manel!
ResponderEliminarO livro foi editado por A Regra do Jogo, Edições, em 1979 (e não 78, como escrevo no artigo). A editora já nem existirá.
Mas o Daniel Reis saberá alguma coisa mais!
Um grande abraço para ti.
José Teodoro
O Zé Teodoro a escrever é como um pintor de aguarelas.
ResponderEliminarE é um rapaz com uma grande consciência social. Digo aqui o que não disse (porque não sabia), em relação a um artigo que escreveu, há tempos, para este blog, sob o tema 'homens sem coração' : fantástico.
Um abraço, Zé.
Zé Barroso