Maria estava com
um olho no menino e outro em José, não fosse ele deixar esturrar o suculento e
borbulhante guizado, que a fogueira cozinhava em enorme caldeirão (não havia
panelas a pressão), em fogueira a lenha de oliveira velha e pinheiro manso. O
petisco, saboroso e bem cheiroso, é o resultado do abatimento da vaca e do burro, que José Maria tinham encontrado na gruta. José, com a pachorra que
se lhe conhece, mexia o caldeirão com uma trabalhadíssima colher de pau (puro
artesanato) os restos mortais da vaca e do burro, pois a fome e a miséria eram
tantas, naqueles tempos de crise, que os dois pobres nazarenos, em viagem de
recenseamento a Jerusalém, não tiveram alternativa senão sacrificar os
quadrúpedes de modo a amenizar a época natalícia e a torná-la, pelo menos, um
pouco mais agradável ao estômago.
Sabemos que uma
jovem mãe precisa de se alimentar bem para que o leite não falte ao crianço,
mesmo que ele seja o menino Jesus. Que, aliás, dele bem precisa, pois já lá vão
tantos anos desde o seu nascimento, que já era tempo de subir de categoria
sócio-antropológica... pelo menos para jovem adulto. Mas não! Não há maneira de
isso acontecer... Ou será que tem de acontecer primeiro em nós, porque nós também
andamos cá bem para trás?
José sacrificou
o burro e a vaca porque estes tempos de crise o obrigaram. Oxalá não apareça
algum milionário (dos parvos) a reivindicar a posse das bestas e uma
indemnização por roubo e outros prejuízos.
Mas ali não
havia, sabemo-lo, alternativa: ou morria o burro e morria a vaca ou morriam os
inquilinos “okupas” da gruta . “Okupas”, à espanhola! Claro!
Quanto ao comer
carne de burro, para nós Portugália nem é assim tão estranho. Há anos, ali para
as bandas de Torres Vedras (Oeste) foram abatidos para alimento - são alimento
corporal - umas centenas de burros. Que, depois, foram comercializados em bons
talhos da capital (Lisboa) e bem confecionados em amplas cozinhas de hotéis
de vária estrelas. O hotel-gruta de
Belém só tinha uma estrela. Já se vê que era para o fracote em “comparança” com
os de cinco (que já são muitos).
Quanto às vacas,
o abate acontece todas as semanas, mais velhas ou mais novas (as novas
chamam-lhes vitelas – um nome bastante feio!) E, embora eu tenha pena delas:
nada posso fazer, pois vem logo os fiscais com as leis da procura e da oferta.
Já digo, uma péssima invenção do nosso omnipotente e omnipresente mercado. Que
raça de senhor tão poderoso e malvado!
Mas deixemos o
menininho em paz, pois a carnuça é só para os adultos de denta dura (Maria e
José). Ele pequeno ainda só bebe o leite que Maria produz e lhe dá. José está bem, pois as proteinas permitem-lhe conservar
a saúde. Aqui há uns anos ele andava um pouco reles (doente), pois faziam-no
tão velho que não admira que nesta época do inverno se sentisse um pouco
apanhado pela gripe e constipações. Até porque na altura não havia Cêgripe!
Mas vamos deixar
a coisa por aqui. Se for preciso vamos lá ao tribunal ser testemunhas
abonatórias de José e Maria, que o pequeno ainda não pode ser importunado, pois
não tem a idade canónica para assumir responsabilidades.
Com um caricioso e terno abraço nataleco para
todos os que ainda são capazes de se deixar
encantar por um menino, um casal pobre e dois quadrúpedes.
J.J.AMARO
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