Está tudo do
avesso. O mundo está ao contrário e, mesmo sem conhecermos as causas profundas,
todos temos essa intuição, essa perceção. A evolução moral, como a pessoal, é
lenta e tem por vezes recuos significativos. Em termos coletivos estamos num
desses períodos seguramente.
É de todos
conhecido o facto de nas sociedades primitivas o valor ou a importância residir
no coletivo. Era o grupo que era importante, não o indivíduo, a sobrevivência
da tribo ou grupo dependia disso. A pessoa, nesses tempos, não tinha qualquer
valor além do grupo ou da comunidade em que estava inserida. Aliás, quando as
coisas corriam mal, o grupo para apaziguar a ira das divindades, que naqueles
tempos eram tão cruéis quanto os homens, pois que criados à sua imagem e
semelhança, não tinham qualquer pudor em sacrificar-lhe um dos seus.
Se recuarem à
mitologia grega, que é já uma coisa recente, lembrarão que Homero e Hesíodo
atribuíram aos deuses, tudo aquilo que entre os homens é repreensível e sem
decoro: roubo, adultério e enganos recíprocos. E porventura em território mais
conhecido (a Bíblia) lembrarão que no tempo da Páscoa os judeus se dirigiam a
Jerusalém para no Templo oferecer sacrifícios a Iavé. Uma das cerimónias
consistia em largar no deserto um bode para o qual o Sumo-Sacerdote migrara os
pecados do povo com a função de ali os expiar: o bode expiatório.
É fácil de ver
que os tempos não têm sido fáceis, mas tem havido evolução, e como ensina o
filósofo José António Marina: o uso
racional da inteligência, que se materializa na procura de evidências
partilhadas, intersubjetivas, que se empenha numa corroboração incessante
daquilo que pensa, mediante a critica, o debate, a prova, melhorou a nossa
convivência, libertando-nos da tirania da força e instaurando a orbe da
dignidade humana.
O surgimento da
ética como possibilidade que a inteligência tem de quebrar a lógica do mundo,
que é a lei da selva, o reforço do direito com a consagração dos direitos de
personalidade, do principio da igualdade, que permitiu o surgimento dos regimes
democráticos, que assentam no princípio da responsabilidade pessoal e nos
levaram a um patamar civilizacional que pensámos indestrutível…todavia e de
repente: ai, ai, ai, que isto assim não pode ser…parece que está tudo a ruir!!!
O que nos está a
acontecer é um terramoto moral. O capitalismo, com os seus fetiches hedonistas,
levou-nos a níveis de consumismo e individualismo insustentáveis, com dinheiro
fácil, muito dinheiro, para termos tudo do bom e do melhor. Pensávamos que só
assim merecíamos a aceitação do outro. Sacrificámos tantas coisas para ter mais
dinheiro. Um emprego não chegava, arranjavam-se dois. Era preciso trocar de
carro, uma casa maior, uma outra casa de férias… acabámos por nos vender por um
prato de lentilhas, tal como Esaú vendeu a sua primogenitura e, no entanto,
vivemos hoje tempos de amargura.
E os políticos
que no plano simbólico e institucional representam o bonus pater família coletivo,
que deviam garantir a justiça, a equidade e o equilíbrio entraram eles próprios
em desvario total. Para manter o poder ou para o alcançar tudo se tornou
válido. Sustentam a ação num discurso totalmente esquizofrénico, um discurso de
feirantes, a vender ilusões quando na oposição e mal alcançam o poder, um
discurso inverso, que sustentam com a alta responsabilidade de estadistas,
permitindo-se subverter os mais elementares princípios da confiança e da boa fé.
Como é que um
conjunto de cidadãos que se propõem governar um país o leva a uma situação de ruína,
por dividas colossais que se vão acumulando ano após ano? Por ação, porque para
ganhar eleições gastam rios de dinheiro em obras de fachada, muitas quase inúteis
só para pagar favores às grandes empresas que os sustentam. Por omissão, por
deixarem a banca em roda livre a criar uma riqueza virtual até onde ela própria
achou possível.
Foi a alta
finança que com a sua ganância infinita e os Estados com a sua inoperância que
causaram este terramoto a que deram o pomposo nome de divida soberana, de que
não há responsáveis. Os responsáveis não são os banqueiros que fraudulentamente
nos enganaram a todos nem os órgãos do Estado que tinham o dever de os supervisionar
e não o fizeram. Os responsáveis somos nós. Todos nós que temos que a pagar, filhos
e netos…
Ora, é este o
aspeto mais relevante do problema. É que apesar da Constituição, de imensas
leis em vigor e de tribunais instalados, o meio encontrado como o mais adequado
foi o da subversão do princípio de responsabilidade individual. Sendo de grande
melindre incomodar os sábios políticos (que raramente têm dúvidas e nunca se
enganam) e os poderosos, ataca-se quem poucos ou nenhuns meios tem de defesa,
através da conversão (perversão) da responsabilidade individual em
responsabilidade coletiva.
Como já se
percebeu, o direito já de pouco nos vale. O país está atulhado de leis. Nunca
houve tantas como agora e como é que nos sentimos? Como um bode expiatório,
inelutavelmente condenados.
O que é que precisamos?
De uma moral e de uma ética forte, em que seja natural o respeito pelo outro. Em
que o outro seja olhado não como uma mera possibilidade de nosso enriquecimento
material, mas antes como possibilidade do nosso crescimento pessoal e interior.
Nós não viemos ao mundo ser ricos ou pobres, nós viemos ao mundo, antes de tudo
para ser felizes…e esquecemo-lo tantas vezes.
O homem é um ser
cheio de possibilidades, mas tão frágil, inseguro e tão perdido nas suas
ambições. Afinal de nos servem a Constituição, os códigos, os contratos se não
se houver respeito, se não houver palavra?
Numa situação de
desamparo como esta deixo-vos com salmo 22 de David: Não te afastes de mim, pois a angústia está perto, e não há quem ajude.
Essa é que é essa…
novembro 2013.
Francisco
Barroso
Gostei de receber estas imagens que dão uma viva ideia de que continuamos vivos neste mundo dos homens do nosso tempo.
ResponderEliminarGrande e solidário abraço
do "Sancho" do Fausto - Ou
José andrade
Chico:
ResponderEliminarAinda te lembras do Manuel Diogo (JAE) te chamar filósofo, nos tempos depois do Seminário?
Se teu mundo tivesse sido diferente, que belo filósofo social serias!
JTP,
ResponderEliminarsó não concordo com o tempo do verbo!...
O desprendimento do "rótulo" dá-lhe a margem de inocência e a tolerância para uma análise à flor da pele, liberta de preconceitos, "quase" libertina... podia ser, mas não era a mesma coisa!
Abraço
Respondo ao Chico e ao ZTP: faço minhas as palavras do João Gordo, de São Vicente: estamos a ficar velhos, catano. Agora de minha lavra: se me chateiam, ainda um dia conto aqui como é que o pessoal do meu ano falhou a ida às meninas no ano em que foram finalistas. E como estamos em maré de fanfarronice, desafio algum ex-futuro padre do meu tempo a contar ali ao lado, ao Amaro, a verdadeira história dos enchidos asininos da Póvoa da Atalaia (ou Atalaia do Campo) que fizeram umas tantas primeiras paginas no tempo da outra senhora. Se por aí anda alguém da Atalaia, que faça o favor de se chegar à frente. Sopas e missas para todos. JMTeodoro
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