quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Dos homens sem coração


José Teodoro Prata

Escrever sobre os homens sem coração foi o desafio que me lançou, recentemente, o Vítor Batista. Não é terreno em que me sinta à vontade, mas sou suficientemente irresponsável para responder ao repto.
Antes de começar, uma declaração de interesses: sou de esquerda. Apartidário e com sentido crítico quanto baste, mas dessa esquerda inútil que entregou os portugueses ao neoliberalismo e não tem um projeto alternativo credível para o país.

A promiscuidade Estado-Empresas
            Temos de recuar umas centenas de anos para perceber a coisa. Após a Reconquista, o grande D. Dinis e outros que se lhe seguiram fizeram deste território o berço de um povo que em 1383-85 teve a força de dizer não e colocou um bastardo no poder, por ser isso que lhe convinha. E nas décadas seguintes aventurou-se nas descobertas, em feitos maiores que as atuais viagens espaciais. Havíamos atingido a maturidade.
            Mas D. João II reservou para si o rico comércio da Guiné e o sucessor D. Manuel considerou que não havia gente capaz de negociar na Índia e ficou com o bolo inteiro. Toda a gente trabalhava para o rei, até Luís de Camões, escrivão na feitoria de Macau. Mas o Oriente era longe e a missão arriscada. Por isso todos pediam um cargo ao rei, para depois, no terreno, o roubarem quanto pudessem. E foi esta a origem do chico-espertismo e da corrupção generalizada. Se a isto juntarmos a fuga dos comerciantes cristãos-novos, perseguidos pela Igreja, temos as razões da inexistência de uma classe empresarial forte e autónoma do poder político.
             De então até hoje, foi um contínuo calvário. Mesmo quando Portugal voltou a ter um projeto económico digno, era a mão de Pombal que tudo dava e tudo tirava. O liberalismo nada alterou, até porque a base da riqueza nacional continuou a ser o ganho fácil obtido nas colónias sob a proteção armada do Estado. Salazar foi um digno representante dessa economia, um pacóvio que em São Bento criava perus para cravar os ministros, por alturas do Natal, e entesourava o ouro no Banco de Portugal, enquanto os portugueses partiam, aos 100 mil por ano, como agora. 
            A democracia trouxe-nos a reconfiguração da economia, com os portugueses a substituírem a teta das colónias e pela mama da União Europeia, sem perceberem que esta não era de graça, como a outra.
            E os novos tempos trouxeram políticos novos, alguns de qualidade, porque forjados nas dificuldades, depois uns chico-espertos inúteis, filhos de todas as facilidades que a mãe democracia lhes proporcionou. Como bons herdeiros da secular aliança Estado-empresas, tratam de se encher, metendo diretamente as mãos na massa ou fazendo-se pagar por transferências para si ou para os seus partidos. Consta que sem isso não há negócio ou obra que seja autorizada em Portugal. Tudo à cobrança do contribuinte. E que dizer do cancro do BPN, um complô de antigos políticos, para se apoderarem do dinheiro dos seus clientes?

Em modo Relvas
            No início desta crise, um nobel da economia dos Estados Unidos protestava por a bolsa de Wall Street e as agências de rating estarem entregues a grupos de jovens encharcados em álcool e drogas, antigos alunos brilhantes, mas com um enorme desprezo pelos milhões de pessoas que arruinavam com os seus jogos financeiros. Vítor Gaspar é o nosso geniozinho caseiro, mas, como disse a CIP, na altura da TSU, nem para gerir uma empresa ele presta, pois quem sabe apenas uma coisa, não sabe nada! (A minha escola, muitas escolas portugueses, já há muito que estão organizadas para produzir estes monstrinhos: a receita é colocar os alunos apoiados pelo SASE e pela Educação Especial isolados numa turma, para não atrapalharem o desenvolvimento dos melhores. Se isto não é fascismo, o que é? Pedagogia?)
            O Coelho não enganou ninguém. Durante a campanha eleitoral, nas entrelinhas, ele foi apresentando o seu projeto, que agora se percebe melhor: reduzir o custo do trabalho na produção, em sintonia com o que se está a fazer noutros países da Europa. Isso permitirá ao sistema financeiro apoderar-se de uma fatia ainda maior do bolo. Por outras palavras, empobrecer-nos, através da redução dos salários e do aumento dos impostos. Por isso a TSU, a tentativa de transferir dinheiro dos trabalhadores para os patrões. Ele está-se borrifando para Portugal e até mesmo para o seu partido. Meteu o Franquelim no Governo e só não vai buscar o seu conselheiro Dias Loureiro se não precisar dele! A única coisa que lhe interessa é cumprir a sua parte do plano, assessorado por António Borges, o homem que entre nós representa este projeto financeiro global.
            Viram o sorriso com que Carlos Moedas defendeu a qualidade do estudo elaborado pelo FMI, a pedido e a partir de informações fornecidas pelo Governo? Ele sabia toda a maldade que o projeto contém, mas o sofrimento dos portugueses nem respeito lhe mereceu, mesmo sabendo o que nós só depois descobrimos: o documento foi elaborado com muitos dados falsos. Os fins justificam os meios.
            Depois da queda de Sócrates, a esperança de quase todos, nos diferentes quadrantes, era que os defeitos da anterior governação fossem corrigidos. À cabeça, a promiscuidade Estado-empresas e a arrogância iluminada de quem governa. Mas saiu-nos o Relvas, formado na universidade do chico-espertismo, que viveu de esquemas com o seu parceiro Coelho, para sacar subsídios da UE e se relacionar com países emergentes de quem pudesse tirar vantagens. Por isso não é demitido, embora já tenha afastado todos os que na comunicação social se lhe atravessaram no caminho. Ele e o Coelho têm um caderno de encargos e só podem separar-se quando as empresas do Estado tiverem passado para os privados, se possível aqueles a quem as prometeram. E do bolo ainda fazem parte algumas joias como a TAP, os Correios e as Águas de Portugal. Há que esperar, pois os melhores negócios ainda estão em carteira!

Por uma ética política
            Teoricamente, há duas instituições que ambicionam trazer à política a indispensável ética: a Maçonaria e a Opus Dei.
            Da Maçonaria faziam parte, no século XIX, muitos sacerdotes. Na província, eles foram mesmo algumas das figuras mais marcantes. Mas a Igreja terá proibido a sua pertença a esta organização laica. Se tivessem continuado, talvez a experiência da Primeira Republica não tivesse fracassado. Depois Salazar quase acabou com ela e agora vive dividida entre os que professam ainda uma ética republicana e os que se servem da Maçonaria para traficar influências, ao jeito de uma organização mafiosa.
            Da Opus Dei conheço tão pouco como da anterior. Sei que os fundamentalismos religiosos sempre representaram um enorme perigo para as sociedades. A existência de uma lista de livros proibidos é coisa de mentes perturbadas e lembra-nos o Índex da Inquisição. Para uma Igreja com tantas dificuldades, sempre, em sair do lado dos poderosos, ter a sua elite política, social e económica educada por esta gente é o pior que lhe podia acontecer e a Portugal também.
            Será nesta dificuldade dos portugueses de pensarem a política como um serviço à comunidade, no respeito pelo Homem, que estará a causa da falta de grandes políticos que nos tirem deste atoleiro? 

2 comentários:

  1. Este artigo do Zé ajuda a perceber melhor a nossa configuração. Desde sempre que faltou a Portugal uma imagem positiva e criadora de futuro.
    Mas o que é preocupante, é que num mundo de incerteza como aquele em que hoje navegamos ninguém apareça a mostrar o caminho. O discurso, tanto de direita como de esquerda, é mais que previsível e já agonia de tão requentado... FB

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Grande Zé Teodoro. Os meus cumprimentos pela excelência do artigo. Se para mais não servisse, já valia por explicar a base geral sob a qual assenta o nosso subdesenvolvimento e a nossa miséria, agora acentuada. E tudo isto através de um raciocínio lógico e na contra-corrente dos simplistas (e simplórios) que enchem a Net de sentenças e afirmações, segundo as quais estamos assim, ou somos assim, porque este ou aquele político, ou todos os políticos, são uns gatunos e se enchem à nossa custa. Á custa de mim, sobretudo, que sou o único esclarecido, o único honesto e o único que põe o bem comum acima dos próprios interesses...

      Eliminar

O seu comentário é muito importante.
Obrigado