Nestas terras dos amores de D. Pedro e Dª Inês, o povo vive os sonhos de forma quase igual a todo o interior.
O Natal, ou melhor, o Natal de que me quero lembrar, é ainda o dos tempos em que as coisas aqui ainda eram fruto de muita inocência e portanto pureza.
Lembro com muita saudade os tempos em que, sendo pequeno, ansiava ser grande ... estes acontecimentos sociais, eram rituais que estavam vedados aos mais pequenos e às mulheres. O Natal era uma época de diversão em que os rapazes em grupo faziam a festa: ia-se nas noites frias - que os dias eram de trabalho - com carros de vacas ou de burros, aqui ou ali buscar uns cepos (quando miúdo lia nos livros oficiais da escola, que no Natal iam buscar o madeiro... fazia-me cá uma confusão!!! o que era isso do madeiro!? nós aqui chamávamos cepos - deve ler-se cêpos - e eram os restos dos carvalhos centenários que depois de cortados tinham que ser escavados e arrancados) e traziam também para a fogueira de Natal giestas e tojos - leia-se toijos - e vá lá, mais uns cepitos “roubados à última hora” a alguém que o tendo arrancado se esquecera de guardar.
Os rapazes, que noutros rituais já teriam percebido quem é que mandava, escolhiam o sítio para a fogueira, é que aqui também não era sempre nos adros das igrejas... não, aqui era umas vezes ao cimo do povo, outras ao fundo ou ao meio dependia de quem mandasse, que com alguma artimanha e uma desculpa de ocasião decidia onde era.
Nós, os garotos - éramos garotos até termos corpo para começar a ajudar nestas tarefas, ocasionalmente deixávamos de ser, e também sem mais voltávamos ao estatuto anterior - só com autorização dos pais poderíamos aproximar-nos; como os rapazes eram por vezes dados a exageros teríamos de ir acompanhados para que o vocabulário usado junto com o vinho e a jeropiga, não ferisse os nossos incautos ouvidos. O meu avô que em jovem era “jogador do panco e do ferro”, tornara-se um adversário de que os garotos fossem até à fogueira.
Da janela espreitávamos tentando perceber numa fria noite sem luz eléctrica quem eram e o que faziam ou diziam os que passavam ali a noite de 24 de Dezembro. Restava-nos a ilusão de que saídos da casa do avô - juntávamos lá a família nos momentos importantes - depois de tomar o chocolate com ovos preparado pela avó Rainha, irmos até nossa casa ver o que havia nos sapatos; eram sempre coisas tão bonitas! estavam carregadas de toda a ilusão! ainda que fosse um par de meias entendíamo-lo como se tivessem sido os chocolates do ano passado... receber coisas doces também significava continuar a ser garoto, mas receber umas meias ou outra peça de roupa já significava compreender o esforço dos adultos.
Na missa do dia de Natal, os miúdos da catequese, levávamos no ofertório a colecta em géneros e dinheiro - mais em feijão, maçãs ou laranjas - que oferecíamos para o “menino pobre”. Aí aprendemos que dentro do limite das nossas posses ainda havia quem tivesse menos que nós. Passados dias chegava o agradecimento pela voz do senhor padre da paróquia. Em cada aldeia, juntávamo-nos e íamos de porta em porta pedir para o “menino pobre” sendo que o grande brio, era ver quanto é que cada anexa oferecia, rivalizando em generosidade uns com os outros.
Mais tarde apareceram os tractores e as motosserras... desapareceram os rapazes: fazem-se cada vez menos estes rituais de Natal... este nosso interior está cada vez mais profundo.
Agostinho da Silva
Jarmelo – Guarda
Gostei de ler! Implícito, poderia estar um desafio a outros para que nos contassem como era o Natal nas suas terras. Na minha era e é de madeiros (ir aos madeiros). Naturalmente, pois a matéria prima em maior abundância era o pinheiro bravo (agora, provavelmente, já é a esteva e a giesta... pois, o pinheiro, o fogo levou). Não havia carvalhos... nem cêpos! Também não havia menino pobre, mas pobrezinho.
ResponderEliminarUm abraço, Agostinho! Para ti, a tua amada e o rebento. Jj-a
Agostinho, gostei!
ResponderEliminarO madeiro também me fazia confusão. Mas como o Natal da minha aldeia (Bogas) era mais pobrezinho... sim, não tinha aquelas mesas tão cheias, aquela pompa e importância...talvez fosse diferente. Não tinhamos madeiro nem fogo. Nós iamos às cepas para a fogueira do Natal! Às cepas dos pinheiros que o vento arrancava nos dias de mais vento e que faziam boa fogueira porque tinham resina.
O Natal da minha aldeia era diferente, não era como vinha nos livros, mas tinha mais poesia!
Um abraço, Agostinho e Bom Ano Novo para ti e para os que te são queridos.
Ismael
Eu tentei colocr um post sobre o post do Amaro... a ver se este entra.
ResponderEliminarO pai do Amaro conhecia as terras do Jarmelo, pois do "Violero" iam os homens pró Jarmelo a serrar madeira, homens valentes, embora n~ºao muito altos.
O meu pai lembrava-se deles e contava-me onde dormiam, e os pinhais onde passavam dias e dias a serrar.
Um abraço pra todos!!
Ag da silva
É verdade, Agostinho. Tanto o meu pai como os meus tios e avós conheciam bem o Jarmelo e as terras em volta, porque era para aí que íam serrar. Sou duma família de serradores tanto do lado da mãe (Deolinda) como do pai (Álvaro, falecido). Eram tempos de natais pobres, mas alegres... nem que fosse com a ajuda de um copito a mais. Aliás, o meu irmão mais velho, que se chama Arsénio, recebeu este nome devido a um patrão que o meu pai teve em Gagos (terra do cardeal) que também se chamava Arsénio e era uma excelente pessoa. Jarmelo, Outeiro de São Miguel, Gagos, Rapoula do Coa, Ruvina, Sabugal, Soito, Alfaiates, Cerdeira, Bismula, Nave, Vila Boa, Pousade, Adão, Pínzio, e tantos outros... foram nomes muito familiares à minha infância. Nesse tempo não havia motos-serra como agora... Tempos difíceis! é certo. Mas nem por isso menos bons do que os de agora. Que são mais ricos, mas menos humanos e solidários.
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